O aumento significativo no custo do cacau no mercado internacional tem refletido diretamente nos preços dos produtos derivados do fruto, afetando especialmente a indústria de chocolates e a tradição da Páscoa. Nos últimos dois anos, a matéria-prima apresentou um crescimento de cerca de 180% no seu valor, impulsionado, sobretudo, pela quebra de safra nos grandes produtores africanos.

A alta dos preços do cacau foi intensificada no segundo semestre do ano passado, quando ondas de calor e secas severas atingiram regiões produtoras, como a Costa do Marfim, maior produtor mundial, e Gana, o segundo maior. Segundo Letícia Barony, assessora técnica da Comissão Nacional de Fruticultura da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), “isso vai influenciar o desenvolvimento da planta, a brotação e a formação dos frutos, resultando em uma menor oferta.”

Embora Gana tenha apresentado indícios de recuperação da produção, a Costa do Marfim ainda lida com adversidades climáticas, o que pode prolongar o período de instabilidade do setor. No Brasil, atualmente o sexto maior produtor mundial, a perspectiva é de crescimento na safra de cacau, após quedas sucessivas. Mais de 90% da produção brasileira se concentra nos estados do Pará e Bahia, somando cerca de 300 mil toneladas anuais.

Letícia Barony também destaca que “ainda assim, percebemos muita volatilidade e incerteza dentro do mercado, tanto em relação à oferta quanto à demanda, e, principalmente, aos preços que esses produtos serão ofertados. Isso afeta toda a cadeia de valor, desde as indústrias moageiras até a disponibilidade para o consumidor.”

Efeitos no Setor de Chocolates

A indústria de chocolates prevê uma retração de aproximadamente 20% na produção de ovos de Páscoa em 2025, em comparação ao ano anterior. Apesar da diminuição na produção, a Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Cacau, Amendoim, Balas e Derivados (Abicab) estima a contratação de 9,6 mil trabalhadores temporários, um aumento de 26% em relação a 2024, sendo que 20% desses profissionais podem ser efetivados.

O aumento de custo também impacta os consumidores, com reajustes de aproximadamente 14% nos preços dos ovos de chocolate e produtos relacionados, segundo a Associação Brasileira de Supermercados (Abras). Para contornar essa alta, as empresas apostam na diversificação do portfólio, oferecendo opções menores e mais acessíveis.

Adaptação dos Pequenos Produtores

Para empreendedores do setor, a alta no preço das matérias-primas também exige estratégias de adaptação. A chef Dayane Cristin, que produz trufas e ovos de colher em Osasco (SP), precisou aumentar seus preços devido ao aumento no custo do chocolate e outros ingredientes. “O preço do chocolate tem aumentado muito, e em alguns lugares produtos como o chocolate branco estão em falta. Eu tenho me organizado, comprando em grande quantidade para conseguir um valor menor”, explica. Ela também teve que reajustar o preço das trufas de R$ 3 para R$ 4.

A incerteza sobre os custos levou a Dayane a adiar a divulgação da sua tabela de preços para a Páscoa, aguardando um momento mais estável para definir seus valores. “Muitos clientes já pediam, mas eu esperei pois houve um aumento significativo nos custos. Minha meta este ano é faturar entre R$ 15 mil e R$ 20 mil em ovos de Páscoa”, revela a chef.

Investimentos e Tecnologia

Apesar do cenário desafiador, avanços tecnológicos têm sido implementados no setor de cacau, tanto em técnicas de cultivo quanto no processamento do fruto. O Brasil tem investido em regiões não tradicionais para a cultura, como o Cerrado baiano, onde a produção ocorre com irrigação e alta tecnologia. São Paulo e o norte de Minas também despontam como novas áreas de cultivo.

A Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária destaca que a modernização da cadeia produtiva do cacau pode ajudar a mitigar as oscilações de oferta e demanda, garantindo mais previsibilidade ao setor. “Os avanços na quebra, fermentação e armazenagem do cacau são cruciais para aumentar a eficiência da mão de obra e melhorar a qualidade do produto”, aponta Letícia Barony.

A tecnologia também se reflete na política externa. Recentemente, a Agência de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil) participou de uma missão na África, firmando termos de cooperação tecnológica com Costa do Marfim, Gana e Nigéria para ampliar os ganhos de produtividade nessas regiões.

O mercado do cacau passa por um momento de transição, com desafios e oportunidades. Enquanto a indústria se adapta às oscilações de preços, investimentos em tecnologia e novos modelos de produção podem garantir um futuro mais equilibrado para o setor.

*Com informações da Agência Brasil e da TV Brasil