Veridiana Batista vai ao mercado toda semana e sempre sai de lá indignada, com a impressão de que seu dinheiro sumiu do bolso. Moradora da Fazenda Grande e trabalhando no Tancredo Neves, ela adota cada estratégia nova que conhece na tentativa de economizar.

“Parece que o dinheiro some do bolso antes mesmo de passar no caixa. Tudo, tudo subindo sem parar, até os produtos mais básicos, que comprávamos sem nem pensar, agora precisam ser analisados, comparados e, muitas vezes, deixados de lado”, desabafa a auxiliar de saúde bucal.

Segundo ela, o que antes rendia um mês inteiro agora mal dura quinze dias. “Passei até a experimentar marcas mais baratas, coisa que antes eu nem considerava. Tento cortar um gasto aqui, outro ali, mas fico revoltada. O salário não acompanha essa alta desenfreada. A gente trabalha, se esforça, mas o poder de compra só diminui. Como pode?”, questiona.

As impressões de Veridiana são compartilhadas por grande parte das famílias brasileiras. Segundo pesquisa da Quaest divulgada em fevereiro deste ano, mais de 90% das famílias brasileiras notaram a elevação de preços dos alimentos.

O aumento do preço dos alimentos

Em janeiro, a variação de 1,07% dos produtos consumidos no domicílio foi impulsionada pelos preços da cenoura (36,14%), do tomate (20,27%) e do café moído (8,56%). Outro item que ficou mais caro foi o ovo de galinha.

O preço do ovo dispara

O preço do ovo subiu até 40% nas vendas em atacado, com fatores como o aumento das temperaturas e a alta dos custos de produção sendo apontados como causas. Segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq/USP, que monitora o setor desde 2013, houve um aumento expressivo no tipo extra comercializado no atacado.

Em comparação com 2024, o Cepea registrou alta de até 67,1% no ano. O centro monitora cinco áreas no Brasil, incluindo Santa Maria de Jetibá, no Espírito Santo, um dos principais polos produtores do país.

A elevação do preço dos ovos

A Associação Brasileira de Supermercados (Abras) aponta que, em fevereiro, o preço dos ovos subiu 15,39%. De janeiro para fevereiro, registrou-se um aumento atípico em todas as regiões do país, fazendo do ovo o item com maior variação de preço nesse período.

Economista prega cautela

Diante da alta nos preços, o governo federal anunciou algumas medidas para reduzir os valores, como a isenção do imposto de importação de itens essenciais como café, azeite, açúcar, milho, óleo de girassol, sardinha, biscoitos, macarrão e carnes.

No entanto, se houver redução dos impostos, os órgãos de proteção ao consumidor precisam monitorar se a medida refletirá de fato nos preços finais.

O alerta vem de Antonio Carvalho, professor e consultor de Economia e Finanças. Ele explica que, sem fiscalização, “há o risco de os distribuidores comprarem mais baratos e venderem pelo mesmo preço, aumentando suas margens e prejudicando o consumidor”.

O impacto dos impostos na cadeia de preços

Antonio explica que os impostos fazem parte da cadeia de custos dos produtos e incidem em todas as etapas, da produção à distribuição. “Existem impostos sobre os insumos (sementes, fertilizantes, defensivos), sobre a mão de obra (serviços prestados), na transformação (industrialização ou beneficiamento), no transporte, armazenamento e nos estabelecimentos comerciais (pontos de venda). Em cada etapa, os impostos são incorporados e chegam ao consumidor”, detalha.

Segundo ele, se os impostos sobre os alimentos forem reduzidos, ao menos em parte da cadeia entre produção e distribuição, espera-se que os preços finais diminuam.

“Reduz os custos de produção, logo, o custo é menor, o que possibilita a prática de preços mais baixos sem comprometer a margem de lucro”, afirma. O especialista adverte, no entanto, que a perda de arrecadação deve ser compensada pelo aumento do consumo e da atividade econômica gerada pelo barateamento dos produtos.

“Compensar com a criação de novos impostos ou o aumento de outras categorias pode gerar impactos negativos para a população, afetando principalmente os mais vulneráveis”, alerta.

Consumo dos brasileiros registra queda em fevereiro

O consumo nos lares brasileiros, medido pela Associação Brasileira de Supermercados (Abras), caiu 4,25% em fevereiro, em comparação com o mês anterior. Porém, em relação a fevereiro do ano passado, houve um aumento de 2,25%.

A Abras explica que esse desempenho foi influenciado pela pressão no orçamento das famílias, causada por despesas obrigatórias como reajustes das mensalidades escolares, transporte e tributos.

“Assim, há uma priorização de gastos fixos, com a consequente redução do consumo de outros itens no período”, explica a Associação.

Além desses fatores, o mês mais curto e a realização do carnaval em março também impactaram o desempenho de fevereiro.

Tendência de recuperação no consumo

Segundo o vice-presidente da Abras, Marcio Milan, os programas de transferência de renda direta, o reajuste do salário mínimo e os pagamentos do PIS/Pasep, entre outros, ajudaram a sustentar o consumo no período.

“Com esses recursos extras e a continuidade das políticas de transferência de renda, projetamos um desempenho mais favorável para o consumo até o fechamento do primeiro trimestre. A pressão inflacionária sobre os alimentos persiste, mas esses estímulos devem contribuir para sustentar o poder de compra das famílias”, afirma Milan.

Planejamento financeiro em tempos de inflação

As manobras realizadas por Veridiana, que conversou com a reportagem no início do texto, seguem a linha de orientações do planejador financeiro Raphael Carneiro. Ele explica que, embora seja difícil adaptar-se às mudanças nos preços, isso é essencial para evitar que a alta de preços comprometa ainda mais o salário.

Ele sugere que as famílias acompanhem as mudanças nos impostos e avaliem se as reduções terão impacto real nos preços na hora de pagar.

“Vamos pegar essa sobra e fazer uma reserva. Quando houver outro pico de inflação ou alta de preços, teremos um recurso para ajudar a superar esse período”, ensina Carneiro.

Reduflação e cuidados no consumo

Raphael Carneiro alerta sobre o conceito de ‘reduflação’, em que o preço do produto é mantido, mas a quantidade diminui, o que, na prática, resulta em aumento de custo.

“Você vai comprar menos por mais, então vai precisar comprar mais para ter a mesma quantidade”, observa.

Ele ainda adverte para a atenção ao comprar produtos similares, como bebidas lácteas e outros itens misturados, que não são exatamente os mesmos produtos de sempre. “É muito importante ficar de olho para não levar gato por leão”, alerta.

O papel dos pequenos comércios

O planejador financeiro também destaca que os pequenos comércios não são vilões dessa história. “Eles também enfrentam dificuldades. Não têm poder de barganha, grande estoque, e precisam pagar impostos e funcionários”, lembra.

Ele conclui enfatizando a importância do planejamento financeiro, não apenas em tempos de pico, mas sempre, para que as famílias possam tomar decisões mais informadas.

“O planejamento financeiro muda nossa visão. Passamos a olhar para frente e a tomar decisões melhores sobre o que podemos gastar e qual o impacto que essas decisões terão no futuro”, finaliza.