Entenda papel do Conselho de Direitos Humanos da ONU

Órgão enfrenta desafios com saída dos EUA e Israel, mas continua com sua missão global


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Daniel Freitas 09/02/2025 18:00 Internacional
Entenda papel do Conselho de Direitos Humanos da ONU - ONU/Elma Okic

O Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (UNHRC) completou 19 anos em 2025 e continua sendo um órgão crucial para a proteção e promoção dos direitos humanos globalmente. Criado em 2006 para substituir a antiga Comissão de Direitos Humanos, o Conselho tem a missão de atuar em situações de violação dos direitos humanos em todo o mundo. Contudo, recentemente, o órgão tem sido alvo de críticas por parte dos Estados Unidos e de Israel, que decidiram se retirar, alegando falhas no funcionamento da organização.

Conselho: estrutura e função

O Conselho de Direitos Humanos foi estabelecido para desempenhar um papel de destaque dentro da ONU, com o objetivo de garantir que questões relacionadas aos direitos humanos fossem tratadas com a seriedade e a visibilidade necessárias. De acordo com Kofi Annan, secretário-geral da ONU na época de sua criação, ao ser elevada a nova estrutura a um conselho, com status semelhante aos de Segurança e e de Econômico e Social, representava um passo em direção ao fortalecimento da defesa dos direitos humanos.

“Ele deixou de ser uma mera comissão, como havia dezenas dentro da ONU, e passou a ser um conselho, equiparado aos outros dois grandes conselhos da ONU, o Conselho de Segurança e o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Então, a própria criação do Conselho de Direitos Humanos já apontava para esse lugar de maior prestígio, de maior destaque do tema dos direitos humanos dentro da organização”, explica o cientista político Maurício Santoro, professor do Centro de Estudos Político-Estratégicos da Marinha.

Com 47 países membros, o Conselho é formado por países eleitos pelos 193 membros da ONU para mandatos de três anos, com renovação anual de um terço de sua composição. O Brasil, por exemplo, foi eleito para o mandato de 2023 a 2026. Além dos representantes nacionais, o órgão conta com um Alto Comissário escolhido pelo secretário-geral da ONU, comitês consultivos, grupos de trabalho e especialistas dedicados a missões específicas.

Funções e instrumentos do conselho

O Conselho de Direitos Humanos tem como objetivo promover e proteger os direitos humanos globalmente, além de investigar violações e fornecer recomendações aos países. Um de seus principais instrumentos são as resoluções, que refletem a posição da comunidade internacional sobre determinadas questões. Em seus 19 anos de atuação, o Conselho já emitiu mais de 1.400 resoluções, que não só servem como um indicativo político, mas também têm um impacto jurídico nos países que assinaram tratados internacionais de direitos humanos.

De acordo com Santoro, “as resoluções têm um impacto que extrapola o sinal político ou um simples ‘constrangimento’ para alguns países, como aqueles que lidam com tratados internacionais de direitos humanos como instrumentos legais superiores às suas próprias legislações, como é o caso do Brasil, Chile e Argentina”. Ele ainda acrescenta que quando “tem uma decisão da ONU, uma resolução, ou algum tipo de debate no Conselho de Direitos Humanos, com muita frequência, eles envolvem também esses compromissos jurídicos que os países assumiram nos tratados”.

Além das resoluções, o Conselho também realiza comissões de investigação que podem ajudar em processos de responsabilização e apuração de abusos. Já a Revisão Periódica Universal (UPR), que avalia a situação de direitos humanos de todos os países membros da ONU, acontece a cada 4 ou 5 anos. 

Santoro explica que, “ela é universal”. “Todos os países são examinados. Não é uma coisa que acontece só com alguns violadores. Uma vez a cada quatro ou cinco anos, esses países passam ali por uma rodada de avaliação e o Conselho dos Direitos Humanos publica um relatório com as suas análises e com as suas sugestões do que cada país pode fazer para melhorar suas condições”.

Saída dos EUA e Israel do conselho de Direitos Humanos

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou na última segunda-feira (3), a retirada de seu país do Conselho de Direitos Humanos, citando a falta de eficácia da instituição. Trump justificou sua decisão alegando que o Conselho “tem protegido violadores de direitos humanos”, permitindo que regimes como o de China e Rússia se blindassem de críticas. Essa não é a primeira vez que os EUA tomam essa atitude. Em 2018, durante seu primeiro governo, Trump havia também decidido sair do órgão.

Em sua justificativa oficial, Trump mencionou que, apesar de os Estados Unidos terem sido fundamentais na criação da ONU após a Segunda Guerra Mundial, várias agências da organização, incluindo o Conselho de Direitos Humanos, se distanciaram da missão de promover a paz e agora atuam contra os interesses dos EUA. O presidente americano também associou o conselho à propagação do “antisemitismo”, referindo-se a críticas feitas a Israel no âmbito da ONU.

Israel seguiu o exemplo dos EUA e anunciou sua saída do Conselho. O governo israelense afirmou que o órgão “demoniza obsessivamente” o país, principalmente no que se refere à sua atuação em Gaza e ao tratamento dispensado aos palestinos. O chanceler israelense, Gideon Sa’ar, expressou apoio à decisão de Trump e confirmou que Israel não participará mais do Conselho de Direitos Humanos.

Reações da saída: impacto na ONU e na comunidade internacional

A retirada dos EUA e Israel do Conselho de Direitos Humanos foi amplamente criticada por organizações como a Anistia Internacional, que acusaram os países de abandonar o órgão em um momento crítico, em que os palestinos em Gaza enfrentam graves violações de direitos humanos. A relatora especial da ONU para Israel e os Territórios Palestinos Ocupados, Francesca Albanese, classificou a decisão israelense de abandonar o Conselho como “arrogante” e prejudicial à causa dos direitos humanos.

“O presidente Trump tem uma perspectiva da inserção dos Estados Unidos no sistema internacional que é muito peculiar. Ele considera que os Estados Unidos são o país mais importante de todos e que não podem ser prejudicados em momento algum, por razão alguma, né? E todos aqueles organismos e acordos que ele considera de alguma forma lesivos aos interesses dos Estados Unidos, ele rejeita”, analisou Williams Gonçalves, professor de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

Consequências para conselho de Direitos Humanos

A saída dos EUA e Israel deixa um vácuo de liderança dentro do Conselho, uma vez que ambos são grandes potências com influência global. Para o cientista político Maurício Santoro, isso representa uma perda significativa, especialmente para a representatividade e o financiamento do órgão. 

“É um esvaziamento político não ter mais os Estados Unidos, que são a maior economia e que têm o maior peso militar”, disse Maurício.

Entretanto, Santoro aponta que a retirada dos EUA pode abrir espaço para outros países, como os membros da União Europeia e do Sul Global, incluindo o Brasil, assumirem um papel de liderança na defesa dos direitos humanos no órgão. Ele observa que a ONU enfrenta dificuldades financeiras e que o corte de fundos dos EUA pode dificultar a execução das atividades do Conselho, uma vez que, “A ONU trabalha muitas vezes com orçamentos muito apertados e muito erráticos”.

Futuro do conselho de Direitos Humanos da ONU

Com o vácuo deixado pelos EUA e Israel, o Conselho de Direitos Humanos da ONU enfrenta desafios em sua atuação. O  professor Antônio Jorge Ramalho da Rocha, da Universidade de Brasília (UnB), acredita que esse cenário pode representar uma oportunidade para países comprometidos com a proteção dos direitos humanos assumirem o papel de liderança na instituição.

Ramalho afirma que a decisão dos EUA pode ser prejudicial a longo prazo, observando que, “no longo prazo, isso é a aceleração de sua decadência”. “Não tenho dúvida de que é um erro do ponto de vista do interesse deles. Os Estados Unidos se fundaram com base nessa convicção compartilhada, nesse valor de que os seres humanos devem ser objeto de proteção pelos Estados”.

Ele conclui queé preciso que os países que prezam esses valores abracem o conselho, financiem suas ações. Hoje há um vácuo de liderança”. “É uma grande oportunidade para um país como o Brasil, que tem uma tradição de respeito, de defesa e de promoção do multilateralismo”.

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