Você conhece a instituição que libertava negros escravizados no século 19? Ela ainda existe
Em quase dois séculos de existência, a Sociedade Protetora dos Desvalidos segue denunciando desigualdades e exigindo políticas públicas efetivas

A Sociedade Protetora dos Desvalidos (SPD) mantém viva uma história de quase dois séculos de luta. Fundada por 18 homens negros, em 1832, e liderada por Manoel Victor da Serra, a SPD surgiu com o propósito de garantir liberdade, dignidade e direitos à população negra escravizada, por meio da compra de cartas de alforria. Hoje, quase 193 anos depois, a instituição permanece ativa no enfrentamento ao racismo estrutural, à intolerância religiosa e à desigualdade social, sendo um dos símbolos mais importantes da resistência negra no Brasil.
Em entrevista ao programa Inspiração, do Portal M!, gravado na sede da SPD, a atual presidente da entidade, Lígia Margarida Gomes, destacou a importância histórica da organização e as estratégias de sobrevivência adotadas desde a sua origem.
“A religiosidade foi uma estratégia. Era muito mais estratégico se manter como uma instituição religiosa — por isso o nome associação protetora nossa senhora amparo dos desvalidos”, explicou.
A escolha de se apresentar como uma irmandade religiosa, segundo ela, foi essencial para driblar as proibições impostas a organizações civis da época. A SPD conseguiu, assim, sobreviver à revolta dos malês, à repressão policial e às transformações políticas, sem perder sua essência: garantir o mínimo de cidadania aos negros marginalizados pela sociedade brasileira.
Três pilares que resistem há séculos
Segundo Lígia, a SPD se sustenta sobre três pilares desde a sua fundação: o enfrentamento ao racismo, a luta contra a intolerância religiosa e o combate à desigualdade social.
“A SPD manteve esses pilares que sustentou a instituição inicialmente e que continua sustentando”, afirmou.
Mesmo com o passar dos anos, essas frentes de luta continuam urgentes. A presidente reforçou o papel da Bahia como estado com o maior contingente de descendentes africanos fora do continente, o que torna ainda mais alarmante a persistência da violência racial.
“Aqui nós ainda enfrentamos um racismo cada vez mais feroz, cada vez mais voraz, criando diferenças cruciais entre as pessoas”, destacou.
A SPD também atuou com ações concretas ao longo da sua história, como a oferta de microcrédito a trabalhadores negros que viviam de ganho e a manutenção de uma escola própria, em tempos em que era proibido aos negros frequentar instituições de ensino públicas.
Sustentabilidade e autonomia como herança histórica
Um dos maiores legados da SPD é sua busca pela autonomia financeira, conceito que já existia desde sua criação. Para manter a estrutura da entidade, os fundadores apostaram na aquisição de imóveis e na criação de uma base sólida de associados.
“A SPD já foi pensada com esses dois aspectos importantes. Primeiro, se sustentar com os seus recursos… e autonomia, que significa dizer, reiterando, ser dono da sua própria caminhada”, afirmou Lígia.
Hoje, a manutenção da organização se dá por meio do pagamento de mensalidades simbólicas de seus associados, aluguéis de imóveis próprios e parcerias com outras entidades e iniciativas. Ainda que os imóveis estejam antigos, são eles que garantem o funcionamento da SPD e a realização de suas atividades.
Enfrentamento ao racismo: da base comunitária ao diálogo com o Estado
A SPD não se limita a ações internas. Está presente em debates públicos, reuniões com o poder público e ações organizadas pela sociedade civil para denunciar o genocídio da população negra e exigir políticas públicas. Um exemplo disso foi a participação da entidade em uma reunião com o governo do Estado da Bahia, no dia 25, com foco nesse tema.
“A SPD constrói também esse momento, participa desse momento… Para além de construir os momentos, nós também contribuímos para que eles aconteçam”, reforçou a presidente.
A luta antirracista da entidade se insere no contexto de uma Salvador profundamente desigual, onde a juventude negra é a principal vítima da violência e da omissão do poder público.
“É preciso um levante, é preciso beber na fonte de Búzios, dos Malês e de tantas outras revoltas para mostrar ao governo que realmente precisa ter democracia”, disse Lígia, em tom firme.
A presidente também foi enfática ao cobrar ações reais por parte do Estado para combater o racismo estrutural e proteger a juventude negra da capital baiana.
“A juventude é ameaçada todos os dias com esse racismo. Um racismo que não tem mais razão de ser, nunca teve razão de ser. E muito menos agora.”
Representatividade negra no poder: um sonho ainda distante
Apesar de Salvador ser uma cidade de população majoritariamente negra, a ausência de representatividade política no comando da capital baiana segue sendo um dos maiores paradoxos da democracia brasileira. Lígia apontou que, mesmo com figuras de destaque ao longo da história, como o jurista Edvaldo Brito, a cidade nunca elegeu um prefeito negro em pleno exercício democrático.
“Numa cidade majoritariamente negra, nós não conseguimos ter um prefeito negro”, lamentou.
Segundo ela, a busca por poder político e equidade é o próximo passo necessário para que a população negra possa realmente influenciar as decisões sobre os rumos da cidade.
“O que mais nós desejamos é que, nesse processo igualitário em todos os campos, inclusive no campo social, no campo político, que nós possamos ter condições de chegar no poder da cidade.”
Confira o Inspiração na íntegra:
Mais Lidas
Nenhuma postagem encontrada.
Inspiração
SSA Social: o futebol que inspira sonhos e forma cidadãos em São Cristóvão
Inspiração: SSA Social leva esperança para jovens e famílias
Osid promove cuidado humanitário e saúde gratuita na Bahia há 65 anos
Casa do Sol transforma vidas de crianças em Cajazeiras V
Últimas Notícias

Projeto de Arthur Lira eleva faixa de isenção do IRPF e pode beneficiar milhões de brasileiros
Nova proposta aprovada na Câmara representa passo importante para correção da tabela e redução de desigualdades

Catar fecha espaço aéreo após ataque do Irã a base dos EUA
Suspensão do tráfego aéreo é uma medida preventiva diante dos 'desdobramentos na região' e está sendo acompanhada de forma contínua pelas autoridades locais

Geraldo Júnior visita São João na Chapada Diamantina e destaca impacto social e econômico das ações do Governo
Vice-governador também destacou o modelo de gestão do São João da Bahia, voltado para o cuidado com as pessoas, com ações coordenadas nas áreas de saúde e segurança

Maria Bethânia anuncia turnê especial em comemoração aos 60 anos de carreira
Cantora terá apresentações em São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador; ingressos começam a ser vendidos em julho

Jerônimo entrega aeródromo e participa do São João em Mucugê, na Chapada Diamantina
Obra contou com investimento de R$ 5,1 milhões e é considerada estratégica para impulsionar o turismo e a economia local

Lotação máxima fecha acesso ao Largo do Pelourinho durante São João de Salvador; veja a programação de hoje
Medida foi adotada ainda durante o primeiro show da noite, como forma de garantir a segurança dos forrozeiros

São João da Bahia atrai multidão com mistura de ritmos no Pelourinho e programação intensa
Festas no Terreiro de Jesus e na Praça Tereza Batista reúnem atrações variadas e palcos itinerantes com forró, pagode, arrocha e samba junino

Dorgival Dantas, Xand Avião e Simone Mendes levam multidão ao delírio no São João de Santo Antônio de Jesus
Quarta noite da festa reuniu mais de 100 mil pessoas com shows que misturaram romantismo, tradição nordestina e forró animado no Recôncavo baiano

Receitas de canetas emagrecedoras passam a ser retidas a partir desta segunda-feira
A decisão foi tomada em abril pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e entrou em vigor 60 dias após sua publicação no Diário Oficial da União

STF faz acareação entre Mauro Cid e Braga Netto na ação sobre tentativa de golpe de Estado
A segunda audiência colocará frente a frente o ex-ministro da Justiça Anderson Torres e o ex-comandante do Exército Marco Antônio Freire Gomes