A periferia de Salvador, muitas vezes marcada pela desigualdade e pela violência, tem se transformado em palco de esperança por meio do projeto Periferia do Futuro. Idealizado pelo modelo, influenciador e empresário Carlos Cruz, o projeto nasceu de uma experiência dolorosa: a perda de amigos para a criminalidade. Diante desse cenário, ele decidiu usar a moda como ferramenta de transformação e resistência.

“Eu percebi que não conseguiria mudar a vida das pessoas apenas como contador, que era minha formação. Foi na arte que encontrei um caminho para transformar”, lembra Carlos.

Com essa visão, surgiu uma iniciativa que já reúne mais de 250 modelos negros, todos oriundos de comunidades periféricas de Salvador. Jovens que poderiam virar estatística da violência agora ocupam passarelas, campanhas fotográficas e espaços culturais, mostrando que a periferia também é lugar de potência e talento.

Do ônibus para o mundo

A trajetória de Carlos Cruz ajuda a entender a força do projeto. Natural de Salvador, ele foi descoberto em um ônibus, a caminho do trabalho, há nove anos por Sivaldo Tavares, pioneiro em iniciativas do setor em Salvador e criador do Top Model Fama, hoje rebatizado como PJT Models.

Desde então, percorreu o mundo desfilando para marcas como Prada, Puma e Hugo Boss, além de viver experiências como fotógrafo e diretor de desfiles. Ao retornar à capital baiana, decidiu compartilhar esse aprendizado e abrir caminhos para que outros jovens também tivessem a chance de sonhar.

“Sivaldo acreditou em mim quando ninguém acreditava. Ele mudou a minha vida e me inspirou a criar algo que também transformasse a vida de outras pessoas”, contou Carlos, emocionado ao lembrar da amizade. Para ele, o encontro com Tavares foi determinante: “Ele foi um cara que falou de autoestima para mim há nove anos atrás. Eu não acreditava em meu potencial, ele acreditou ao me ver dentro de um ônibus e de fato foi o que mudou minha vida. E eu fiz disso uma dívida, que é transformar vidas através da minha história”, disse Cruz.

Com esse espírito, o Periferia do Futuro se consolidou como muito mais que passarela. Hoje, promove oficinas de maquiagem, costura, tranças e em breve também de tatuagem.

“A arte precisa chegar antes da bala. Nosso objetivo é salvar vidas, dar esperança e mostrar que a juventude preta da periferia pode, sim, alcançar seus sonhos”, afirma Carlos Cruz.

Casting gigante e novos cursos

O Periferia do Futuro começou com cerca de 30 jovens e hoje já reúne mais de 250 participantes, sendo o maior casting de modelos negros do país. As atividades vão além das passarelas: o projeto oferece cursos de maquiagem, tranças, costura e até tatuagem, fortalecendo a economia criativa e dando alternativas concretas para quem deseja empreender ou ingressar no mercado de trabalho.

Um exemplo desse avanço é a criação da marca Yame — que significa “aquele que produz” em iorubá —, desenvolvida em parceria entre os alunos e costureiras da comunidade. As roupas confeccionadas já foram usadas em desfiles organizados pelo próprio projeto, reforçando o ciclo de aprendizado e valorização da identidade negra.

Parcerias e expansão

Juntos, Carlos e Sivaldo ampliaram a proposta inicial, que hoje vai muito além do glamour das passarelas. “Não é sobre ser modelo, é sobre ser exemplo”, resume Carlos.

A atuação do Periferia do Futuro já ultrapassou os limites da Bahia. Uma exposição fotográfica com 80 modelos negros das comunidades de Salvador foi exibida em Milão, Paris e São Paulo, levando a imagem da juventude preta baiana para o mundo. O projeto também já recebeu convites para abrir núcleos em Brasília e São Paulo, ampliando seu impacto social e cultural.

Em primeira mão para o Inspiração, Carlos contou que já foi a Brasília prospectar espaços para o projeto na capital federal.

Moda como ferramenta de consciência

Em uma cidade onde mais de 80% da população é negra, mas as oportunidades ainda são restritas, o projeto cumpre também um papel político e cultural. Cada desfile ou ensaio é uma forma de reafirmação da identidade e da ancestralidade.

“A gente não faz apenas um desfile, a gente leva uma revolução. Cada jovem que entra aqui entende que não está aprendendo só a andar na passarela, mas a se enxergar como parte de uma história de resistência”, explica Carlos.

Onde funciona

As atividades do Periferia do Futuro acontecem semanalmente em Salvador, sempre às 17h, aos sábados, na Fundação Cultural do Estado da Bahia (Funceb) e, às terças, no Boca de Brasa, na Barroquinha, ao lado do Cine Glauber Rocha. Qualquer jovem interessado pode participar, e as ações são abertas ao público.

“A Periferia do Futuro não veio apenas para abrir portas, veio para arrombar paredes”, destaca Carlos. “Somos hoje um espaço de acolhimento, onde a moda é usada como ferramenta de transformação. Não se trata apenas de ser modelo, mas de ser exemplo”.

Mensagem de inspiração

Ao refletir sobre sua trajetória e o impacto do projeto, Carlos deixa uma mensagem inspiradora: “Ninguém deve desistir dos seus sonhos por falta de oportunidade. Eu tive muitas portas fechadas, mas agarrei cada chance que apareceu como se fosse a última. Hoje, acredito que nosso papel é ser facilitador de sonhos para outras pessoas. E a arte é o caminho mais bonito para isso”.

Para que as aulas aconteçam, Carlos muitas vezes tira do próprio bolso para custear o transporte de vários alunos. Além disso, acaba se tornando um ponto de apoio para quem precisa de medicamentos ou até de alimentos em casa. “Toda ajuda é bem-vinda, porque manter essa estrutura é caro. Na véspera das aulas meu celular não para e eu ajudo a custear passagem para que os alunos não faltem”, conta. O próximo passo é conquistar uma sede própria para o projeto.

Quem quiser apoiar o Periferia do Futuro pode contribuir via PIX:
CNPJ 61.980.022/0001-50 – Banco Cora SCFI – Instituto Periferia do Futuro.

Assista o Inspiração na íntegra: