O músico, compositor e produtor baiano Anderson Cunha dará um novo passo em sua trajetória artística com o lançamento de seu primeiro trabalho solo, o EP Escravos e Santos, nesta sexta-feira (25). O projeto, que estará disponível em todas as plataformas digitais, nasceu da trilha sonora original composta para o documentário homônimo dirigido por Márcio Abreu.

O filme, por sua vez, mergulha nas cicatrizes históricas deixadas pela escravidão no município de Caetité, no Alto Sertão da Bahia, revelando histórias de dor, resistência e ancestralidade.

História de sucessos

Reconhecido por sua atuação como integrante do grupo Sertanília e por composições de sucesso — entre elas, a música Festa, imortalizada na voz de Ivete Sangalo —, Anderson apresenta agora um trabalho profundamente autoral e emotivo, em que a música é usada como instrumento de memória e homenagem.

“Foi um desafio traduzir esse universo denso, triste e belo das memórias dos descendentes de negros escravizados dessa região”, relata o artista.

Natural do sertão baiano, Cunha traz na bagagem a vivência e a sensibilidade necessárias para construir um retrato sonoro fiel às raízes que inspiram o projeto. O EP conta com cinco faixas: De Muito Longe, Lamento Para Um Amanhã Roubado, Vivos Pra Contar, Pai Jão e Na Argola do Pé de Mulungu.

A viola assume papel central nos arranjos, conduzindo composições que evocam sentimentos de dor, saudade, reverência e resistência. Cada canção se apresenta como um elo entre passado e presente, entre os ecos da escravidão e as vozes que insistem em manter vivas as histórias de seus antepassados.

Trabalhos audiovisuais

O projeto surgiu durante uma das muitas imersões que Anderson e o cineasta Márcio Abreu realizaram no interior da Bahia. Juntos, há anos, eles desenvolvem pesquisas em torno de manifestações culturais populares, como os reisados, e se dedicam à produção de registros audiovisuais sobre o sertão baiano. Durante uma dessas jornadas, no entanto, se depararam com depoimentos que revelaram uma memória ainda viva e pouco documentada da escravidão em Caetité.

“Nos surpreendemos com relatos profundamente dolorosos sobre o que aconteceu com os avós e bisavós dessas pessoas. Histórias de violência, humilhação e resistência. Era uma memória viva, ainda pulsando nas famílias, que precisava ser escutada e registrada”, lembra Anderson.

A partir desses relatos nasceu o documentário Escravos e Santos, lançado originalmente em 2015 e premiado no mesmo ano como Melhor Documentário de Curta-metragem no BlackStar Film Festival, nos Estados Unidos. O filme foi relançado em 2024, reacendendo a chama do projeto e motivando a produção do EP solo. As faixas ganharam nova vida com remasterização e arranjos adicionais, assinados em parceria com o músico Tiago Occilupo.

“As músicas passaram por um processo de remixagem e ganharam novas camadas, mas mantêm a essência daquelas gravações originais feitas no calor da pesquisa e da emoção”, explica Cunha.

O artista espera que o trabalho possa sensibilizar o público não apenas musicalmente, mas também historicamente. “É um EP que convida à reflexão. Quem escutar, espero que sinta vontade de assistir ao filme. E quem assistir ao filme, talvez queira voltar às músicas para aprofundar o impacto dessas histórias”, afirma.

Com Escravos e Santos, Anderson Cunha firma seu lugar como um dos nomes mais relevantes da música baiana contemporânea — um artista que combina tradição e inovação, talento e propósito.