Olívia Santana: ‘O maior mal causado pelo racismo é a alta letalidade de pessoas negras’
Como educadora, deputada defende sistema que promova igualdade e alerta que, isoladamente, o letramento pode ser insuficiente para destruir esquemas de opressão

Para fechar a série especial Novembro Negro do Portal M!, ouvimos a deputada estadual Olívia Santana, pedagoga formada pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e com larga trajetória de engajamento à pauta antirracista. Filiada ao PCdoB desde 1989, ela já foi titular das secretarias estaduais de Políticas para as Mulheres e de Trabalho, Emprego, Renda e Esporte.
Olívia Santana integra o Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial e o Fórum de Mulheres Negras, além de ser dirigente da União de Negros pela Igualdade (Unegro). Entre 2005 e 2012, foi vereadora da Câmara Municipal de Salvador. Eleita deputada estadual pelo PCdoB em 2018, renovou o mandato até 2027 no pleito de 2022 pela Federação Brasil da Esperança (PT/PCdoB/PV).
Nesta entrevista, Olívia resgata a criação da Lei Moa do Catende e o projeto de lei que propõe o Selo Antirracista como ações concretas do seu mandato em prol da agenda de combate à discriminação racial. Como educadora, ela defende um sistema educacional que promova a igualdade entre crianças negras e brancas, e alerta que, isoladamente, o letramento pode ser insuficiente para destruir esquemas de opressão típicos do racismo estrutural.
Olívia também destaca que o mal maior causado pelo racismo é a alta letalidade de pessoas negras – “é um extermínio” -, pontua que as ações afirmativas não devem ser vistas como um fim em si mesmas, e deixa um recado final neste Novembro Negro: “Nunca baixem a cabeça para o racismo. Lutem individualmente e, sobretudo, coletivamente”.
O que Olívia Santana pensa?
Deputada, como seu mandato serve à causa antirracista? Que atividades e projetos têm sido desenvolvidos neste sentido?
Realizamos várias ações em sintonia com o movimento negro. Recentemente, conseguimos a aprovação da Lei Moa do Catendê, de minha autoria, que é uma grande conquista do Conselho da Salvaguarda da Capoeira, que tanto lutou por isso. Apresentei um PL [Projeto de Lei] que propõe a criação do Selo Antirracista, outro que torna obrigatória a inclusão da temática antirracista nos cursos de formação de agentes de segurança e vigilância privada, na Bahia. Nosso mandato também apresentou um PL para destinar 10% das emendas ao orçamento para SPM [Secretaria de políticas para Mulheres] e Sepromi [Secretaria de Promoção da Igualdade Racial].
Como pedagoga e parlamentar muito ligada à causa da Educação, qual a sua avaliação sobre a abordagem do racismo nas escolas?
Penso que a educação precisa ser antirracista. O sistema educacional deve desenvolver uma educação que promova a igualdade entre crianças negras e brancas. A escola tem que ensinar o legado africano e afro-brasileiro e indígena como forma de valorizar essas contribuições civilizatórias. Nelson Mandela nos ensinou: “Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a amar”.
Atualmente, fala-se muito em letramento racial. Você concorda que este é o melhor caminho para o enfrentamento do racismo? E de que forma esse letramento pode ser promovido na sociedade?
Embora o letramento racial seja importante, ele precisa ser complementado por ações concretas, como políticas públicas de inclusão, fortalecimento de lideranças negras e combate à desigualdade estrutural. Isoladamente, o letramento pode não ser suficiente para desmantelar sistemas de opressão, mas é indispensável para mobilizar e conscientizar a sociedade.
Mulheres negras têm trabalho dobrado na luta contra o racismo e a misoginia. Quais são os maiores desafios da agenda do feminismo negro?
A agenda do feminismo negro busca não apenas combater essas opressões, mas também construir espaços de empoderamento, representatividade e solidariedade. Isso inclui o fortalecimento de lideranças negras femininas, a criação de políticas públicas que enfrentem as desigualdades estruturais e a conscientização da sociedade sobre as realidades vividas por nós, mulheres negras, e principalmente as pretas. Esses desafios são difíceis, mas o feminismo negro tem mostrado resiliência, criatividade e capacidade de articulação para transformar estruturas e conquistar avanços significativos.
Conceitos relativamente recentes, como afroturismo, afroempreendedorismo e afrofuturismo, vieram para ficar. Essa ocupação de espaços pela população negra mostra que ela está assumindo o protagonismo da própria história?
Esses conceitos refletem o fortalecimento do empoderamento negro em diferentes esferas da sociedade, destacando a resistência contra séculos de marginalização e apagamento histórico. Esses movimentos evidenciam a retomada das narrativas pela população negra, não apenas no resgate do passado, mas também na construção do presente e na projeção de futuros possíveis. A ocupação desses espaços simboliza uma busca por justiça histórica e pela valorização da diversidade de identidades. O impacto é profundo, tanto no âmbito individual, promovendo autoestima e senso de identidade, quanto no coletivo, fortalecendo a luta por equidade e justiça social. Assim, longe de serem tendências passageiras, essas iniciativas se afirmam como manifestações de uma transformação social e cultural duradoura e significativa.
Qual a sua visão sobre racismo estrutural e como ele se contrapõe à luta antirracista?
O racismo estrutural é a base da edificação da sociedade brasileira. Ele é o responsável pela perpetuação das desigualdades entre negros e brancos. No pós-abolição, mantiveram-se as exclusões de maneira brutal, em todas as esferas da vida. A luta antirracista procura expor essas injustiças e reverter os seus efeitos. Questionar privilégios, corrigir desigualdades históricas e criar novas dinâmicas sociais e institucionais é preciso! A luta não é fácil. Ainda assim, avanços são possíveis por meio de ações organizadas e contínuas.
Em quais áreas você considera que há avanços? E o que precisa ser feito de forma emergencial?
A política de cotas constitui avanço concreto na educação, na política e no serviço público, ainda que tenhamos que lutar contra as fraudes sistemáticas. Temos visto pessoas negras ocupando mais espaços na televisão e na mídia. Nós ainda somos uma minoria ínfima nos espaços de poder político, como no Congresso Nacional, nas Assembleias Legislativas, governos. A gente olha e não vê negros governando estados, governando capitais brasileiras. Por isso, ainda temos um longo caminho a percorrer na direção da igualdade entre as pessoas nesse país.
Recentemente, causou polêmica a suspensão, por decisão judicial, da posse de uma médica negra aprovada pelo sistema de cotas para uma vaga no corpo docente da UFBA, em favor da primeira colocada na ampla concorrência. Como avalia as ações afirmativas e o que pode ser feito para que decisões como esta não virem rotina?
As ações afirmativas são políticas essenciais para corrigir desigualdades históricas e estruturais que resultam do racismo, do sexismo e de outras formas de discriminação. Elas visam criar condições mais equitativas de acesso à educação, emprego e outras oportunidades, promovendo a inclusão de grupos marginalizados. No entanto, para que essas políticas cumpram seu propósito de forma efetiva e não se tornem soluções permanentes ou ‘rotineiras’, é necessário que sejam acompanhadas por mudanças estruturais mais amplas. As ações afirmativas não devem ser vistas como um fim em si mesmas, mas como uma etapa importante no caminho para uma sociedade mais justa. O objetivo final é que, com o tempo, essas políticas deixem de ser necessárias porque as condições de equidade foram alcançadas por meio de mudanças estruturais e culturais profundas.
No contexto da sociedade racista, muito se fala nos malefícios à saúde mental e emocional, gerando o adoecimento da população negra. Como você lida com isso?
O racismo tem um impacto profundo na saúde mental e emocional da população negra, contribuindo para o desenvolvimento de problemas como ansiedade, depressão, estresse crónico e outras condições psicológicas. O constante enfrentamento de preconceitos, discriminação e microagressões pode levar ao chamado trauma racial, um tipo de sofrimento psicológico relacionado às experiências de racismo. Mas o maior mal causado pelo racismo é a alta letalidade de pessoas negras. É um extermínio.
Por fim, que mensagem você gostaria de deixar neste Novembro Negro?
Nunca baixem a cabeça para o racismo. Lutem individualmente e, sobretudo, coletivamente. O desafio é monumental, mas juntos somos mais fortes para virar esse jogo.
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