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Morte de estudante que sofreu bullying amplia debate sobre papel da escola

Bullying
Pedro Henrique deixou um recado à família no qual relata seu sofrimento

Negro, gay e pobre, um estudante de 14 anos, bolsista em um colégio de elite em São Paulo, descontou em si mesmo as dores que sentiu após ser, por várias vezes, alvo de ofensas por parte de colegas.

Antes de atentar contra si no início de agosto, ele deixou um recado à família e relatou seu sofrimento. “Fizeram chacota de mim por eu ser gay. Vontade de nunca mais pisar de novo. Me humilharam (na frente) da sala inteira. Eu não aguento mais. Eu fiquei trancado no banheiro por 50 minutos, chorando. Ficaram me humilhando”, diz trecho de mensagens enviadas por ele para sua mãe.

O caso do adolescente não é isolado. Dados da Organização Mundial da Saúde apontam que uma em cada seis crianças entre 11 e 15 anos afirma ter sofrido bullying online em 2022 em 44 países.

No Brasil, dados dos cartórios de notas apontam crescimento contínuo desde 2007 nos registros de bullying e cyberbullying. Somente em 2023, foram mais de 120 mil solicitações de atas notariais, documento usado como prova desse tipo de crime em processos judiciais e administrativos. O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania relatou um aumento de 50% em denúncias de violência nas escolas em 2023.

Qual o papel da escola?

Após o episódio, o colégio se defendeu alegando não saber das agressões e afirmou, em nota, que apenas um episódio de provocação foi relatado pelo jovem. Mas qual o papel da escola na identificação e prevenção de episódios de bullying, especialmente quando há sinais claros de agressão e violência entre os alunos?

Instituições de ensino possuem certa autonomia e podem abordar educação emocional no dia a dia, como explica a coordenadora pedagógica e psicóloga, Emile Lima. “Existe uma autonomia até determinado ponto, em que pode-se fazer a inserção de componentes curriculares para trabalhar as competências emocionais. Existe um bom senso, e muitas escolas já têm essa perspectiva da educação emocional, outras nem tanto”, pondera.

Divulgação/Prefeitura de Itabira

Com base em sua experiência no dia a dia, a pedagoga afirma que são muitas as crianças e adolescentes que chegam ao ambiente escolar com sintomas de ansiedade por diversas razões.

“Razões a nível de cobrança em relação ao próprio desemprenho, às vezes tem insistência de pais em relação a notas, isso tudo vai gerando esses desconfortos. A gente precisa de um processo de conscientização muito grande de que isso é uma realidade, e não tapar o sol com a peneira”.

Apesar da autonomia para montar a grade educacional, é necessário que todos os agentes -incluindo professores e educadores, estudantes e famílias – se conscientizem sobre a gravidade do problema. É preciso ainda agir antes de uma diretriz pública, o que pode não ser tão rápido.

“Enfatizar que existe um silencio em torno do bullying na escola. Muitas vezes, a vitima se sente isolada e com medo de denunciar por medo de se sentir excluída do grupo”, defende Lima.

Sinais de alerta

Emile Lima destaca que, embora as escolas tenham autonomia para implementar educação emocional, muitas não o fazem de forma eficaz. Os comportamentos podem expor problemas não admitidos de forma verbal.

“Fico muito atenta. O aluno muito tímido, que não fala, por trás pode ter situação de ter sido silenciado. Por outro lado, tem o extrovertido que não consegue aceitar questões levadas a ele. São alguns sinais que a gente consegue ver. O mais inibido, retraído, que tem medo de julgamento, também”, lista.

Também escritora, Emile tem um livro publicado em que aborda o ser real e aceitação de si, além de autoestima e resolução de conflitos e educação emocional.

“Fala de ser quem é. O que isso traz? Olhar de ‘não preciso mudar e sou feliz como sou, não preciso me referenciar muito no outro’. Vejo muito isso na escola. É preciso dar vez e voz aos sentimentos que estão guardados”, defende.

Papel da família: aula de empatia

Sergio Manzione, psicólogo clínico, avalia que o papel da família é crucial na prevenção do bullying, pois é em casa que se constroem as primeiras bases de valores, respeito e empatia.

“Pais e responsáveis precisam estar atentos ao comportamento dos filhos, promover conversas abertas sobre o respeito ao próximo e o impacto de suas ações nos outros. A colaboração entre escolas e pais é fundamental. Ambos devem trabalhar juntos para cultivar a empatia, valorizando a diversidade e ensinando as crianças a se colocarem no lugar do outro, tanto em casa quanto no ambiente escolar”, afirma.

Em conversa com o Portal M!, ele explica que escolas devem adotar práticas de saúde mental, como programas de inteligência emocional e habilidades sociais, e contar com psicólogos para suporte e orientação, além de criar um ambiente seguro e acolhedor, com comunicação aberta e apoio mútuo entre alunos, professores e funcionários.

Manzione reflete que o suporte psicológico nas escolas é essencial para promover uma cultura de empatia. “Ao oferecer orientação e apoio emocional, psicólogos escolares ajudam os alunos a entender melhor suas próprias emoções e as dos outros, promovendo uma atitude mais compreensiva e colaborativa”.

Falhas do sistema educacional

O psicólogo considera que o sistema educacional falha em muitos aspectos, desde a falta de capacitação dos professores para identificar e lidar com casos de bullying até a ausência de programas consistentes de educação emocional.

“Muitas escolas ainda não oferecem suporte psicológico adequado, nem possuem políticas claras e efetivas de prevenção e intervenção. Essa falta de estrutura e de uma abordagem holística deixa muitas crianças e adolescentes vulneráveis ao bullying e perpetua um ciclo de agressão e silêncio”, aponta.

Ele ressalta que família e escola devem agir juntas na abordagem do assunto, o que deve ser feito de forma clara e direta, utilizando linguagem adequada à faixa etária dos alunos.

“É importante realizar atividades interativas, como debates, teatros e dinâmicas de grupo, que ajudem os alunos a compreender o impacto negativo do bullying em todas as suas formas. Também é essencial que se trabalhe em parceria com pais e responsáveis, para que a conscientização ultrapasse os muros da escola e se estenda ao ambiente familiar e à comunidade”, orienta.

Alerta de gatilho

Se você estiver passando por sofrimento emocional, procure ajuda. O Centro de Valorização da Vida (CVV) está disponível em regime de plantão 24h pelo telefone 188. A ligação é gratuita e pode ser feita de qualquer linha telefônica fixa ou celular. CAPs, Unidades Básicas de Saúde (UBSs) e UPAs também podem ser procuradas.

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Reprodução/Prefeitura Municipal de Paulista