Um estudo lançado pela organização The Nature Conservancy (TNC) Brasil comprova a viabilidade financeira dos Sistemas Agroflorestais (SAFs) no bioma Cerrado, apontando caminhos estratégicos para impulsionar esse modelo produtivo que alia preservação ambiental e geração de renda. Apesar dos desafios estruturais ainda enfrentados como ausência de linhas de crédito específicas, oferta limitada de assistência técnica e escassez de estudos voltados para espécies nativas o levantamento traz dados inéditos que reforçam o potencial econômico e socioambiental da atividade.

Realizada no âmbito da iniciativa Inovação Financeira para Amazônia, Cerrado e Chaco (IFACC), a publicação tem como objetivo estimular investimentos e orientar a criação de mecanismos financeiros voltados à expansão dos SAFs no Brasil. A análise combina estudos de caso com indicadores de rentabilidade e metodologias que integram aspectos econômicos e ambientais.

Financiamento híbrido é destaque como estratégia de escalabilidade

Segundo a TNC, cerca de 52 mil propriedades no Cerrado já adotam algum tipo de sistema agroflorestal, sendo a maioria composta por pequenos produtores. Esse dado reforça a necessidade de políticas de financiamento mais acessíveis e adaptadas às demandas da agricultura familiar, principal agente da restauração produtiva no bioma.

Entre os pontos centrais do estudo está a defesa do financiamento misto — modelo que combina recursos públicos e privados como forma de diluir riscos e aumentar a atratividade do investimento em SAFs. Essa abordagem se revela crucial para promover a expansão sustentável da prática em áreas já abertas, reduzindo pressões por desmatamento e contribuindo para metas de restauração ambiental.

Os três estudos de caso apresentados no levantamento — conduzidos por organizações como Belterra, WRI Brasil em parceria com WWF-Brasil, e Carbon 4412 com Rizoma — exploram diferentes modelos de SAFs aplicados no Cerrado. Os resultados econômicos são expressivos: a taxa interna de retorno (TIR) varia de 26% a 79%, com períodos de retorno que vão de 4 a 11 anos, dependendo da configuração adotada.

Valorização de espécies nativas e integração cultural no campo

Um dos destaques do estudo é a análise dos Sistemas AgroCerratenses Integrados (SACIs), desenvolvidos por WWF-Brasil e WRI Brasil, que se baseiam na composição de espécies nativas do Cerrado. Esses sistemas buscam respeitar as dinâmicas ecológicas locais, ao mesmo tempo em que valorizam os saberes tradicionais e promovem benefícios econômicos concretos. Para Julio Alves, analista sênior de Sistemas Alimentares Sustentáveis no WRI Brasil, “esses modelos mostram que não precisamos escolher entre produzir e preservar”.

“No mesmo espaço, o agricultor colhe alimento, gera renda, restaura o solo e mantém viva a riqueza biológica e cultural do Cerrado”, afirma.

Além de indicadores financeiros, o estudo reúne orientações práticas sobre como implementar os sistemas, quais espécies utilizar, quais são os custos envolvidos e que resultados podem ser esperados ao longo do tempo. Trata-se, portanto, de um guia completo que busca suprir uma lacuna histórica de informações técnicas acessíveis para agricultores, investidores e formuladores de políticas públicas.

Potencial dos SAFs no Cerrado vai além do retorno econômico

A publicação da TNC reforça que os SAFs no Cerrado têm papel estratégico na agenda climática, na segurança alimentar e na restauração ecológica do bioma, considerado um dos mais ameaçados do país. Ao promover sistemas produtivos sustentáveis em áreas já desmatadas, os SAFs evitam a conversão de novas áreas nativas, recuperam solos degradados e ajudam a preservar a biodiversidade.

Mesmo com os bons resultados apresentados, o estudo alerta para a necessidade urgente de políticas públicas integradas, ampliação da assistência técnica especializada e acesso facilitado a linhas de financiamento ambientalmente orientadas. A combinação entre retorno financeiro, benefícios ambientais e impactos sociais posiciona os sistemas agroflorestais como uma das principais soluções baseadas na natureza para o futuro do Cerrado.