O ciclo de conferências “ABI 95+” reuniu, nesta quarta-feira (14), representantes da comunicação e do poder público para refletir sobre os impactos históricos e atuais do racismo estrutural na sociedade baiana. A iniciativa marca os 95 anos da Associação Bahiana de Imprensa (ABI) e já aponta para os debates do centenário da entidade, em 2030.

Durante entrevista ao Portal M!, o presidente da ABI, Ernesto Marques, destacou a importância do ciclo como espaço de provocação e reflexão crítica. Para ele, a proposta é traçar diagnósticos e perspectivas sobre temas estruturantes para a sociedade baiana, a exemplo da desigualdade racial. A palestra foi conduzida pelo professor e vereador Silvio Humberto (PSB), que abordou os múltiplos aspectos da discriminação racial.

“A gente comemora os 95 agora, mas já está apontando para o centenário da ABI, em 2030. A gente pede sempre aos conferencistas, para que faça uma análise de cenário em perspectiva histórica, como fez hoje aqui, o professor e vereador Silvio Humberto, mas olhando também para adiante, como a gente quer a Bahia em cada setor daqui a cinco anos”, explicou Ernesto.

Comunicação e responsabilidade social

Ao falar sobre a temática, o presidente da ABI ressaltou os prejuízos simbólicos, espirituais e práticos provocados pelo racismo, e defendeu que a imprensa assuma um papel transformador na construção de uma sociedade mais justa. Segundo ele, o debate qualifica o olhar dos profissionais de comunicação e contribui para que a cobertura jornalística avance sobre os temas da desigualdade.

Embora reconheça que cinco anos é pouco para “projetar uma Bahia livre do racismo”, Ernesto pontou que a conferência foi importante para melhor compreensão deste fenômeno.

“Compreendemos melhor esse fenômeno, os prejuízos que a gente tem, do simbólico ao espiritual, o prejuízo afetivo, econômico, prático. E acho que isso nos compromete, porque a função da gente é contribuir com o nosso trabalho para que a sociedade mude e melhore. Não mudar, como o Silvio explicou na aula, para ficar tudo como está, mudar para transformar”, afirmou.

Outro ponto destacado pelo presidente da ABI, foi de que o ciclo de conferências busca promover provocações aos participantes, além de qualificar a cobertura jornalística. Segundo ele, o quadro é necessário, já que a Bahia, que ocupa o posto de sexta economia do país, possui indicadores sociais que figuram nas últimas posições em diversas áreas.

“E com elas, tanto para os colegas que participam, quanto para os colegas que vão ter acesso ao conteúdo através da revista Memória da Imprensa, perceber que a gente deu uma contribuição para qualificar a cobertura jornalística sobre esses temas”, destacou.

Racismo estrutural e seus desdobramentos

Convidado para conduzir a conferência do dia, o vereador Silvio Humberto reforçou a necessidade de ampliar o debate sobre o racismo e suas múltiplas dimensões. Ele também celebrou a oportunidade de divulgar sua tese transformada no livro Um retrato fiel da Bahia, e avaliou positivamente a recepção do público presente.

“É importante de poder fazer circular o livro, ter a tese e, depois de transformar em livro, ganhar alcance e repercussão, e as excelentes perguntas. A gente está lidando com esse fenômeno complexo. Quando você pensa que pegou, ele dá um salto mais adiante. É como se estivesse comparado à linha do horizonte, quando você chega, sempre parece que é mais para lá”, refletiu.

Segundo o vereador, o racismo não se limita às condições materiais, mas também se expressa na subjetividade e no cotidiano das relações sociais. Ele pontua que o fenômeno envolve dor, exclusão e até mesmo a morte da juventude negra, marcada pela ausência de oportunidades e pela violência institucional.

“Porque a gente está lidando com um fenômeno que se materializa nas condições materiais e vai também para a subjetividade, porque é assim que foram as perguntas. Então, algo que envolve dor, envolve a falta de oportunidades e morte. O que nós observamos desse genocídio da nossa juventude negra, o país que está perdendo, o país que está fechando a sua janela de oportunidades”, alertou.

Poder, exclusão e a falsa ideia de igualdade

Silvio Humberto também discutiu a permanência do mito da democracia racial no Brasil, que segundo ele, opera como mecanismo de manutenção de desigualdades. Ele argumenta que o racismo está diretamente relacionado à estrutura de poder vigente no país.

“Tem os avanços, mas infelizmente também tem a reconfiguração desse mito da democracia racial. O racismo estrutura o poder, e o poder é finito. Você não tem mais de 39 deputados, mais de 513 no Congresso Nacional, mais de 3 senadores por unidade da federação, no nosso caso, temos 43 vereadores. O poder não estica, esse poder é contado, para um entrar, você precisa tirar alguém”.

Na avaliação de Silvio, este cenário mostra como o racismo está “estruturando o poder”, as oportunidades e a questão dos negócios. “Vai para essa subjetividade. E infelizmente você diz se você é ser humano ou não”, pontuou.

O vereador lembrou que os efeitos da escravidão ainda persistem na forma como a população negra é tratada. Mesmo após o fim formal do regime escravagista, os mecanismos de desumanização continuam operando através do racismo estrutural.

“A escravidão, quando terminou, ela tirou a condição de escravo, embora os resquícios da escravidão cheguem até os nossos dias, mas as pessoas continuaram sendo negras e tendo um tratamento como negras. E quem faz isso é o racismo”, pontuou.

Enfrentamento coletivo e esperança

Para ele, combater o racismo não é uma tarefa exclusiva da população negra ou dos povos originários, mas um dever coletivo da sociedade. Ele acredita que, embora os desafios sejam grandes, é preciso manter a esperança e buscar soluções coletivas e eficazes.

“Essa consciência de enfrentar o racismo não é um problema negro ou indígena, é um problema da sociedade que precisa resolver, precisa enfrentar coletivamente, para que, de fato, a gente consiga mitigar os seus efeitos”, declarou.

O vereador ainda destacou a complexidade do fenômeno, que ultrapassa barreiras disciplinares e exige enfrentamento em diversas frentes. Segundo ele, mesmo sem soluções simples, a transformação social é possível e necessária.

“Às vezes, eu tenho dificuldade de perceber se, nessa existência, a gente vai dar conta de um fenômeno tão fluido. Se, de um momento, precisou de raça, hoje ele não precisa de raça, ele sai da biologia, vem para o direito, do direito ele vai para outros campos. Então a gente está lidando com esse fenômeno complexo, que não cabe soluções simples”.

Por fim, Silvio ressaltou a esperança não pode ser perdida, e pontuou que embora seja um processo, “uma vez mitigados seus efeitos, o salto civilizatório é infinito”.