A ministra da Cultura, Margareth Menezes, criticou, neste sábado (8), o julgamento de uma jurada do desfile do Grupo Especial das escolas de samba do Rio de Janeiro, que penalizou a Unidos de Padre Miguel (UPM) por utilizar termos em iorubá no samba-enredo. A escola, que havia retornado ao Grupo Especial após mais de 50 anos — sua última participação havia sido em 1972 —, recebeu notas baixas e foi rebaixada para a Série Ouro. As informações são da Agência Brasil.
Margareth diz ser ‘inaceitável’ punir uso do iorubá
Em publicação feita na rede social X, Margareth Menezes classificou como “inaceitável” a perda de pontos pela escola devido ao uso da língua de origem africana.
“Inaceitável! A Unidos de Padre Miguel perdeu pontos no Carnaval porque usou ‘excesso de termos em iorubá’ no samba-enredo. Como assim? O iorubá é uma das línguas que formam nossa cultura, está na raiz do samba, nas religiões de matriz africana, na história do Brasil!”, escreveu a ministra.
Ela complementou a crítica apontando desrespeito à herança cultural afro-brasileira: “Isso não é só um erro de julgamento, é um desrespeito à nossa ancestralidade. O samba nasceu da resistência! Todo apoio à Unidos de Padre Miguel e a todas as escolas que levam a cultura afro-brasileira para a avenida com orgulho!”.
Tomaz Silva/Agência Brasil
Jurada apontou ‘trechos de difícil entendimento’
Após a apuração dos resultados na quinta-feira (6), a Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (Liesa) divulgou as justificativas dos jurados. No quesito “Letra”, uma das juradas tirou 0,1 ponto da UPM. “Letra. Há trechos de difícil entendimento devido ao excesso de termos em iorubá (muitas estrofes)”.
A avaliação gerou reações contrárias de lideranças religiosas e defensores da cultura afro-brasileira.
O professor doutor babalawô Ivanir dos Santos também se posicionou. Em publicação no Instagram compartilhada com a UPM, ele demonstrou indignação com o argumento da jurada.
“Nossa história é iorubá. Nossa história é nagô. Nossa história é banto. Nossa história é África. Não podemos aceitar que a língua de nossos ancestrais seja tratada como um erro em um dos maiores palcos da cultura afro-brasileira”.
Na avaliação do especialista, a punição representa racismo estrutural:
“A decisão de despontuar a escola por esse critério não é apenas um equívoco técnico – é uma manifestação de racismo estrutural. Como podemos contar nossa história sem usar nossa própria língua? Como podemos falar de nossos ancestrais sem exaltar sua espiritualidade, sua cultura, sua voz?”
Enredo exaltava fundadora do Candomblé da Barroquinha
A Unidos de Padre Miguel apresentou o enredo Egbé Iyá Nassô, em homenagem a Iyá Nassô, uma das fundadoras do Candomblé da Barroquinha, na Bahia. Ela é responsável por dar origem ao Terreiro Casa Branca do Engenho Velho, em Salvador, o templo de religião de matriz africana mais antigo do Brasil.
Ivanir dos Santos também ressaltou a disparidade cultural nas escolhas das narrativas carnavalescas. “O mesmo Carnaval que exalta a história de colonizadores, que enaltece epopeias europeias e mitologias de outras culturas, precisa valorizar e respeitar a língua, a memória e a espiritualidade dos povos que o construíram. O samba nasceu da resistência negra, e suas raízes não podem ser penalizadas como ‘erro’ ou ‘excesso’”.
Iorubá é língua viva nos terreiros e no samba
A língua iorubá é uma das mais conhecidas de origem africana no Brasil, praticada sobretudo em religiões como o Candomblé. Os terreiros são espaços de transmissão da língua, presente em cantos, mitos, comidas e artefatos. O iorubá tem origem na África Ocidental e integra a formação cultural brasileira.
Liesa diz que vai apurar julgamento da Unidos de Padre Miguel
A escola entrou com recurso junto à Liesa, solicitando a revisão da nota. Durante entrevista ao Multishow, no Desfile das Campeãs, o presidente da Liesa, Gabriel David, afirmou neste sábado (8) que o caso será levado à plenária da liga.
“A gente teve alguns requerimentos dentro da liga, o da UPM, destaco esse, é o único que está sendo levado à frente, então a gente vai ter uma plenária com os 11 presidentes, com a diretoria da Liga, para a UPM poder expressar a indignação dela e repudiar completamente o caso de racismo religioso que existiu de fato no julgamento da UPM. Acho que a liga não pode aceitar isso em hipótese alguma, muito pelo contrário, isso não pode estar presente em nenhum ambiente de arte carnavalesca e assim a gente vai lidar com esse problema”.
A manifestação oficial da Liesa indica que o episódio será debatido entre os presidentes das escolas e a direção da liga. A Unidos de Padre Miguel ainda aguarda a decisão sobre o recurso.
Ministra da Cultura destacou a importância da premiação para a cultura brasileira e celebrou a representação do cinema nacional no cenário internacional