Por que as notícias violentas atraem tanto?

Por que a violência e as notícias ruins causam fascínio em tanta gente?


Sergio Manzione
Sergio Manzione 26/10/2024 08:00 • Artigos
Por que as notícias violentas atraem tanto? -

Você já se perguntou por que tantas pessoas se sentem atraídas por notícias violentas? O que nos leva a consumir esse tipo de conteúdo, mesmo sabendo que ele nos faz mal? Esse fascínio tem raízes profundas, tanto no nosso passado evolutivo, quanto nas emoções contemporâneas, e este é o tema deste artigo.

O fascínio pelo perigo: raízes psicológicas e biológicas
Uma explicação para o interesse por situações de violência pode estar ligada ao nosso instinto de sobrevivência. Durante a evolução da espécie humana, prestar atenção a potenciais ameaças foi crucial para garantir a vida. Hoje, mesmo que muitas vezes não estejamos em perigo iminente, o cérebro ainda procura sinais de risco, o que mantém nosso interesse por eventos chocantes e traumáticos.

Em 2017, um estudo da Universidade da Califórnia revelou que algumas pessoas desenvolvem preferência por informações negativas, pois elas ativam áreas cerebrais relacionadas ao prazer, e podem estimular a liberação de dopamina no cérebro, causando sensações de satisfação e excitação. Esse mecanismo, que deveria nos recompensar ao encontrar algo novo e relevante, pode acabar se tornando viciante quando aplicado a estímulos negativos.

O que é catarse?
O termo catarse tem origem no grego e pode ser traduzido como purgação ou limpeza. O conceito muito discutido por Sigmund Freud, o pai da psicanálise, e se refere à liberação emocional, que ocorre quando expressamos sentimentos reprimidos. Ao assistir a cenas violentas, algumas pessoas experimentam uma forma de catarse, liberando tensões e frustrações. Em vez de explodirem em raiva ou ansiedade, elas “vivenciam” essas emoções à distância, sem enfrentar diretamente o perigo.

Contudo, quando essa liberação emocional ocorre repetidamente, pode se instaurar um ciclo vicioso. A pessoa passa a buscar cada vez mais eventos chocantes para sentir o mesmo alívio, mas com o tempo, os efeitos negativos começam a se acumular.

A exploração da violência pela mídia
Os meios de comunicação sabem que o medo e as tragédias são eficazes para capturar a atenção do público. George Gerbner, pesquisador húngaro-americano, criou, nos anos 1970, a Teoria do Cultivo, que afirma que a exposição prolongada a conteúdos violentos faz as pessoas acreditarem que o mundo é mais perigoso do que realmente é. Ele chamou esse fenômeno de “síndrome do mundo mau”. Gerbner demonstrou que notícias de tragédias mantêm o público engajado ao explorar a percepção de uma ameaça constante.

Marie Juanchich, da Universidade de Essex, comprovou, em 2017, que manchetes alarmistas aumentam o engajamento do público, provocando mais cliques e interações. Além disso, Anne-Kathrin Koessler, também da Universidade de Essex, mostrou, em 2019, que histórias trágicas e violentas são usadas pela mídia para gerar fortes respostas emocionais, o que prolonga a atenção do público. Essas notícias, principalmente em plataformas digitais, atraem mais cliques e compartilhamentos, como revelou Seth Lewis, da Universidade de Oregon, em pesquisa de 2019.

Os algoritmos das redes sociais, que maximizam o tempo de interação dos usuários, também favorecem notícias sensacionalistas, ampliando ainda mais a exposição a esse tipo de conteúdo. E quanto mais uma pessoa acessa um certo tipo de informação, mais ela verá esse conteúdo e, na sequência, será bombardeada por inúmeras propagandas de produtos relacionados ao tema. O que as redes sociais querem e que as pessoas passem o maior tempo possível conectadas, assim poderão ser expostas aos produtos e serviços oferecidos.

Essa exploração do medo e da violência garante que os veículos de comunicação mantenham uma audiência maior, gerando mais receitas publicitárias. No entanto, os custos para a saúde mental do público são alarmantes.

O impacto psicológico do vício em notícias violentas
A já mencionada “síndrome do mundo mau” faz com que as pessoas acreditem que o mundo está em constante perigo, o que gera ansiedade e desconfiança. Quem se vicia nesse tipo de notícia tende a apresentar sintomas de estresse, ansiedade e até depressão. Um estudo da American Psychological Association, realizado em 2021, revelou que 56% das pessoas que consomem regularmente esse tipo de notícia relatam sintomas físicos relacionados ao estresse, como insônia, irritabilidade, dores de cabeça e tensão muscular.

Quem convive com essas pessoas também sofre os impactos. O pessimismo e a constante preocupação tornam o ambiente familiar tenso, afetando a saúde mental de todos ao redor. As relações pessoais se deterioram, pois discussões sobre tragédias e medos acabam ocupando o espaço de conversas mais saudáveis.

O conteúdo violento pode gerar mais violência?
A exposição contínua a eventos violentos na mídia pode dessensibilizar as pessoas, tornando-as menos empáticas ao sofrimento dos outros. Quando a violência passa a ser vista como algo rotineiro, a capacidade de compaixão tende a diminuir. Um estudo de 2018, da Universidade de Michigan, mostrou que indivíduos expostos regularmente a cenas de agressão têm mais propensão a reagir de maneira agressiva em situações cotidianas.

Além disso, essa exposição prolongada pode normalizar comportamentos violentos, levando as pessoas a encarar a agressividade como inevitável ou até aceitável. Embora não se possa afirmar que assistir a eventos violentos cause diretamente mais violência, estudos indicam que o impacto é significativo no enfraquecimento das relações sociais e na criação de uma sociedade menos empática, e mais disposta a resolver conflitos de maneira hostil.

Como sair desse ciclo?
O primeiro passo é reconhecer o problema. Se você percebe que está consumindo notícias violentas em excesso, e que isso está afetando sua saúde mental, é importante criar limites claros para o uso de mídias. Evitar consumir esse tipo de conteúdo no início do dia ou antes de dormir é uma estratégia simples, mas eficaz. O ideal é não assistir ou ler nada que “não presta” e vai intoxicar sua mente. Entenda que, desconectar-se das notícias ruins, não é negar a existência dos problemas, mas é não viver nesse “mundo mau”. Tome as suas precauções de segurança, que, infelizmente, temos de ter cada vez mais, mas não se intoxique com a crueza da realidade.

Diversificar o que você lê, assiste ou ouve também é essencial. Em vez de focar apenas em eventos trágicos, busque informações que inspirem, eduquem e promovam o bem-estar. Há muitas histórias de superação, inovação e bondade que podem equilibrar a sua percepção do mundo.

Mudar a forma como você interage com as notícias também pode ajudar. Desative as notificações de tragédias em tempo real, o que reduz a sensação de estar constantemente em alerta. Caso essa exposição já esteja afetando sua vida de forma significativa, buscar ajuda profissional é uma saída. A terapia pode oferecer a compreensão mais profunda sobre os motivos desse interesse, e buscar formas mais saudáveis de lidar com ele.

O que a mídia e os governos podem fazer?
Em minha opinião, os veículos de comunicação deveriam adotar uma abordagem mais equilibrada, oferecendo mais conteúdo positivo, educativo e inspirador, em vez de focar exclusivamente em tragédias e violência em seus telejornais. É possível informar o público de maneira responsável, sem criar pânico ou exagerar a percepção de perigo.

A questão é que qualquer campanha pública de conscientização vai ter forte resistência da própria mídia e anunciantes, que usufruem da alta audiência, que a miséria alheia lhes dá. Enquanto a sociedade não exigir mudanças (para quaisquer assuntos), a tendência é que essa exploração continue.

Escolha consciente
O que escolhemos assistir, ler, e ouvir, influencia diretamente como nos sentimos e vemos o mundo ao nosso redor. Em vez de ficar horas em frente de uma tela consumindo todo tipo de veneno emocional, leia um livro, converse mais com a família sobre assuntos edificantes, e fuja de conteúdos e pessoas tóxicas. A decisão de alimentar o medo ou buscar um equilíbrio emocional está em nossas mãos. A mudança começa com a conscientização e, com o tempo, podemos reconectar nossa mente a uma visão mais saudável da realidade. Ouça no meu podcast “Psicologia Cotidiana” este tema com outras reflexões.

Sergio Manzione é psicólogo clínico, administrador, podcaster, colunista sobre comportamento humano e psicologia no Portal Muita Informação!, e escreveu o livro “Viva Sem Ansiedade – oito caminhos para uma vida feliz”. @psicomanzione

Sérgio Manzione

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