O que quer a literatura LGBTQIA+ para a infância?
Autor escreve sobre a problematização e compreensão do funcionamento das sexualidades

A literatura com ênfase lgbtqia+ para a infância impacta em uma existência saudável, com resolução de conflitos e amor à diversidade, inclusive para a família e adultos que busquem o encontro com as crianças que fazem parte de suas vidas.
Nilton Milanez*
A sexualidade é o campo da formação LGBTQIA+ que demonstra como a criança se relaciona e interage sobre seus sentimentos, suas vontades, suas emoções, em relação a seus pais, com a família, em geral, com os vizinhos, com os colegas, com quem compartilha sua vida na escola. A sexualidade é, ainda, relação de carinho, afeto e amor entre a criança e aqueles que a rodeiam.
A sexualidade é inata à criança. Isso é um fato que não podemos ignorar, já atestado desde Freud, há mais de 100 anos! A orientação sexual da criança, LGBTQIA+ ou heteronormativa se realiza diante daqueles a quem deseja manifestar seu afeto, face ao modo como se reconhece a si e a seu corpo. Nossas vidas são marcadas por relações com pessoas LGBTQIA+, que ocupam inúmeras posições na vida social da qual famílias, adultos e crianças participam.
Por certo, a criança tem o direito de ter a oportunidade de falar de si, expressar em gestos, atos e palavras suas opiniões, seus desejos, sua sexualidade. E a literatura LGBTQIA+ para a infância é a ponte estética para essa expressão de linguagem e vida.
#literatura #crianças #lgbt+
Vamos seguir essas três hashtags de modo a encadeá-las uma a outra.
A literatura partilha do domínio do encantamento, da perspectiva estética que nos leva a um encontro do sujeito leitor com o objeto literário, em um movimento da pessoa em direção à arte. Essa arte da literatura é, acima de tudo, a arte da existência, de nossa própria condição humana, no encontro do eu que lê com o eu da literatura, dois corações em um só. O existir do sujeito se mescla à literatura em meio a nosso momento histórico, que é o hoje.
A literatura hoje está no bojo das narrativas de si, que compreendem o nosso espaço de voz e dizeres sobre nós mesmos, no que tange às questões de raça, classe, religião, habilidades, gênero e sexualidade. Aí residem as forças de resistência do discurso literário, cujas fronteiras abarcam o mundo dos adultos e das crianças ao mesmo tempo.
Temas, problematizações e conceitos estão para os adultos na mesma medida que para as crianças. A literatura é o espaço onde se tece a linguagem que permite e dá a possibilidade de a criança conhecer, vivenciar e intervir ativamente em sua realidade social. A literatura, aquela que conhecemos como literatura infantil, nos mostra que a criança suporta toda e qualquer verdade e, mais, principalmente, conhece toda a verdade a sua volta, como também a verdade sobre si.
O enviesamento da literatura, sob a especificidade LGBTQIAPN+, é um dos chamamentos da literatura durante a infância com o intuito de praticar artes de viver que já fazem parte da vida da criança. Nesse caso, na esfera das sexualidades, as crianças já travaram contato consigo e com a realidade sexual-afetiva de seu entorno. Elas conhecem parentes, amigos da família, pessoas da televisão, das mídias digitais e pessoas comuns de sua comunidade com pertencimento de si na história das vidas lésbicas, gays, trans, intersexo e +. Isso não é novidade ou um assunto novo para as crianças. O que importa é o modo como a vivência lgbtqia+ vai ser tratada.
O que quer a literatura lgbtqia+ para a infância
Talvez seja incontornável dizer o que a literatura LGBTQIA+ para a infância não quer. Não queremos, nem podemos transformar criança nenhuma em LGBTQIA+. A literatura não aprisiona, nem sufoca, nem condena. A literatura LGBTQIA+ quer libertar toda criança da opressão sexual sobre sua sexualidade, que não é uma escolha, mas uma orientação do seu modo de vida e, por isso, pode ser construída e exercida a partir de si própria.
A criança jamais foi um boneco manipulado. Toda criança se eleva em sua autonomia diante daquilo que que quer e que sente. Se fossemos acreditar em uma influência sexual, todas as crianças e, consequentemente, os adultos que se tornaram, seriam uma grande confraria heterossexual, porque a heteronormatividade é o maior investimento padrão que circula midiaticamente. Mas não se pode barrar a emergência das sexualidades LGBTQIA+ nem nas crianças, nem em ninguém. Não há pessoa, líder político ou religioso que possa determinar quem uma pessoa quer amar, seja ela um adulto ou mesmo uma criança.
A literatura LGBTQIA+ para a infância deseja que a criança tenha a oportunidade de expressão franca e livre sobre seus sentimentos em relação às outras pessoas, a seu corpo e seus gostos. Com isso, a literatura oferece à criança em sua infância a possibilidade de compreender as várias formas de família, sua pluralidade de afetos e dinâmica social.
A tradição não pode emperrar o que há de mais nobre no reconhecimento da criança por ela mesma. Nem levar à produção de estigmas de superioridade ou intolerância quando a questão é a sexualidade. Aqui, a literatura LGBTQIA+ reafirma o lugar da diversidade dos corpos e das condutas, dos modos de falar e se vestir, das preferências de entretenimento e da escolha de seus pares. Assim, esclarece quanto ao bullying, seja de raça, classe, gênero ou habilidades. Discute a relação das crianças quanto ao respeito das formas de ser e de agir de cada um.
O que pode a literatura LGBTQIA+ para a infância
Reconheço sete princípios em torno do poder da literatura LGBTQIA+ para a infância. Primeiro, a literatura LGBTQIA+ deseja dar à criança o exercício de sua cidadania, de poder ir e voltar, dizer, falar e contestar os padrões e as normatividades que não colaboram com a expressividade de cada criança, de cada pessoa. Segundo, a literatura lgbtqia+ para a infância pode afirmar que não está falando do ‘diferente’. Diferente é se comparar com um modelo que é dado como certo, fugindo a algum padrão.
Terceiro, a força dessa literatura pode colaborar, por meio do diálogo que propõe, com a solidariedade da aceitação e acolhimento, evitando agravamentos de saúde mental e preservando a integridade física da criança. Quarto, tal literatura LGBTQIA+ trata do singular de cada criança e seu modo de ser. Quinto, a literatura LGBTQIA+ para a infância é um aparelho de inclusão de identidades em todos os lugares que a criança vá. Sexto, a criança, por meio da literatura LGBTQIA+, reequilibra os afetos e reinventa soluções para as dificuldades da vida. Sétimo, e o maior dos princípios que engloba a todos, a literatura lgbtqia+ para a infância abraça todas as formas de amar.
*****************************************************
*Nilton Milanez é doutor em Linguística e pós-doutor em Cinema, Psicanálise e Estudos Literários. Professor e pesquisador na Universidade do Estado da Bahia (Uneb), em Salvador, se dedica às questões lgbtqiapn+. É autor de “Ravi, o Ursinho Arco-íris” (Editora Usina de Textos). Escreveu também “Audiovisualidades em mim: autoanálise, criança viada e ditadura” (Selo Editorial Labedisco) e “Pavor de viver: contos gaysex” (Bambi Brasil S/A Selo Editorial), disponíveis em www.estantevirtual.com.br. Seu instagram é @nilton_milanez.
Mais Lidas
Entre vidas e resultados
Como narcisistas e psicopatas seduzem e dominam?
Saúde mental no trabalho: o pilar invisível da segurança
Artigos
Saúde mental no trabalho: o pilar invisível da segurança
Como narcisistas e psicopatas seduzem e dominam?
Entre vidas e resultados
Como o Papa Leão parece pensar a política internacional
Conservadores aposentam, a fazenda, o casamento e Che, no Village
Algoritmos das redes sociais moldam nossa saúde mental?
Quando a velocidade rouba a vida
Como lidar com pessoas difíceis sem se anular?
Últimas Notícias

Trump retorna e Lula participa; conflitos no Oriente Médio e tarifas dominam a agenda do G7
A Cúpula do G7 iniciou neste domingo em Kananaskis, Alberta, Canadá, reunindo líderes das sete maiores economias do mundo para discutir questões globais críticas. O evento ocorre em meio a tensões elevadas devido ao agravamento do conflito entre Israel e Irã, além da iminente expiração da trégua tarifária dos EUA, que termina em menos de […]

Bahia Farm Show 2025 registra público recorde com 162 mil visitantes e inovações tecnológicas
Evento apresentou as últimas tecnologias do setor por meio de 434 expositores

Senado pede repatriação de caravana evangélica com brasileiros retidos em Israel devido conflito com Irã
Grupo integra uma caravana evangélica que visitava locais bíblicos na Galileia

Ivete Sangalo surpreende em festa junina escolar em Salvador e agita público com clássicos do forró
Antes, cantora havia realizado uma apresentação inédita no São João de Maracanaú, no Ceará

Pix automático para pagamentos recorrentes chega a todos os bancos nesta segunda; entenda como funciona
Banco do Brasil foi a primeira instituição a liberar a funcionalidade para pessoas físicas

Aves silvestres que seriam vendidas ilegalmente são resgatadas em Feira de Santana
Aves resgatadas foram encaminhadas ao Centro de Triagem de Animais Silvestres do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos

Hub Salvador lança programa de inovação aberta com foco em startups e parcerias estratégicas
Iniciativa será apresentada durante o evento 'Conexões que Inovam', que acontece nesta segunda-feira (16)

Trump celebra aniversário do Exército com desfile militar histórico enquanto protestos tomam os EUA
Evento incluiu exibição de tanques, mísseis e aeronaves, ocorrendo enquanto manifestantes em diferentes regiões do país protestavam contra o governo

Inema aponta 20 praias impróprias para banho em Salvador; confira a lista completa
Recomendação é evitar banho especialmente durante períodos chuvosos

Homicídios caem 6,3% no Brasil em 2024 e atingem menor número em cinco anos, diz governo federal
Dados fazem parte do Mapa da Segurança Pública de 2025, e foram apresentados pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski