Como o Papa Leão parece pensar a política internacional

Um chefe de Estado que não tem exército, não disputa territórios nem exporta petróleo. Ainda assim, tem audiências com os líderes mais poderosos do planeta e intervém em conflitos internacionais. Esse é o Papa.

Há poucas semanas, o mundo se despediu de Francisco — um pontífice que, assim como João Paulo II em seu tempo, foi símbolo de proximidade, de escuta e de diplomacia.

Francisco usava redes sociais, citava música popular em homilias, e acolhia não só peregrinos no Vaticano, mas também chefes de Estado em busca de pontes diplomáticas. Talvez por isso tenha tido tanto êxito em mediações internacionais.

É dele, por exemplo, o gesto decisivo na histórica reaproximação entre Cuba e Estados Unidos. Em 2014, enquanto o mundo se perguntava se o embargo econômico alguma vez seria superado, foi Francisco quem enviou cartas pessoais a Barack Obama e Raúl Castro — e abriu as portas do Vaticano para que as conversas acontecessem. Isso sem nenhum interesse econômico, estratégico ou militar. Apenas por ser quem era: uma autoridade moral respeitada pela sua imparcialidade.

Agora, com a eleição do novo papa, surgem inevitavelmente as expectativas. Leão XIV, nascido Robert Prevost, americano, agostiniano, missionário com trajetória no Peru e jurista canônico. Uma biografia incomum para um papa, marcada mais por presença pastoral do que por articulações políticas.

No âmbito do Direito (política) internacional, os primeiros sinais indicam continuidade em relação ao Papa de Francisco. Na sacada da Basílica, Leão XIV saudou o mundo desejando paz. Em seu primeiro encontro com diplomatas, falou sobre justiça, verdade, e fez menção direta à dignidade de imigrantes — um dos temas mais urgentes da geopolítica contemporânea.

A escolha de seu nome papal não é aleatória. Leão XIV parece prestar tributo a Leão XIII, o papa da Rerum Novarum, que inaugurou a doutrina social da Igreja no final do século XIX. Um gesto simbólico que sugere sensibilidade às transformações do mundo do trabalho, à tecnologia, à ecologia integral.

No plano jurídico, é importante lembrar: o Papa não é só líder religioso, é também o chefe do menor Estado soberano do planeta. A Santa Sé possui embaixadas, assina tratados internacionais e integra fóruns multilaterais com o mesmo peso de outras nações.

A diplomacia pontifícia não se guia por poder econômico ou por interesses territoriais, e talvez por isso seja uma das últimas vozes do planeta que ainda pode falar de paz sem parecer cínica.

O mundo vive tempos de recrudescimento ideológico, de conflitos armados esquecidos, de intolerância religiosa em expansão. A Igreja, com todos os seus limites históricos, nesse cenário cada vez mais dominado pela lógica da guerra, busca o espaço em uma diplomacia que se faz por escuta, presença e ação.

*Murilo Vilas Boas é advogado, pesquisador em diplomacia pontifícia e autor de estudos sobre a atuação internacional do Vaticano @msvilasboas