Os relacionamentos entre narcisistas ou psicopatas e mulheres vítimas seguem padrões tão previsíveis quanto devastadores. Com estratégias refinadas, esses indivíduos seduzem, isolam e manipulam, instalando ciclos de abuso emocional difíceis de romper.

Narcisista e psicopata: o que são?

Narcisista: Indivíduo com transtorno de personalidade caracterizado por grandiosidade, necessidade extrema de admiração e falta de empatia. Como explica Otto Kernberg (1928-2024), psiquiatra e psicanalista austro-americano, o narcisista possui uma autoestima frágil, que compensa com comportamentos de superioridade, manipulação emocional e desprezo pelos sentimentos alheios.

Psicopata: Indivíduo com traços de personalidade marcados por ausência de culpa, frieza emocional, manipulação e comportamento impulsivo ou predatório. Robert Hare, psicólogo canadense, destaca que psicopatas são “predadores sociais”, que usam charme, mentira e violência para obter o que desejam, sem sentir remorso.

Embora diferentes, ambos compartilham a incapacidade de estabelecer vínculos afetivos saudáveis, transformando os relacionamentos em arenas de controle e dominação.

A aproximação: encantamento e idealização

O primeiro movimento é sempre sedutor e arrebatador. O narcisista ou psicopata adota uma máscara de encantamento charmosa, protetora, interessada e, sobretudo, focada na vítima.
Como explica Paul Ekman (1934-2021), psicólogo norte-americano e pioneiro no estudo das emoções, essas personalidades são especialistas em dissimulação emocional, dominando expressões faciais e discursos que convencem e seduzem.

Esse “bombardeio de amor” (também chamado de love bombing) é caracterizado por demonstrações intensas de afeto, presentes, elogios excessivos e declarações de amor precoces. A vítima sente-se escolhida, vista, amada como nunca antes. Esse excesso cria uma falsa sensação de segurança e reciprocidade.

A manutenção: isolamento e controle emocional

Após a fase inicial, surge a necessidade de controle. O narcisista ou psicopata passa a minar a rede de apoio da vítima, seja a família, amigos e colegas de trabalho, utilizando estratégias sutis ou diretas:

• Desqualificação dos outros: “Sua família não gosta de você” ou “seus amigos são invejosos”.
• Criação de dependência emocional: o agressor se posiciona como a única fonte de amor, apoio e compreensão.
• Gaslighting: Manipulação que faz a vítima duvidar da própria percepção, como descrito por Robin Stern, Ph.D., psicóloga e autora de The Gaslight Effect (2007).

Esse isolamento reduz drasticamente as possibilidades de intervenção externa e reforça a vulnerabilidade da vítima, que passa a depender emocionalmente do agressor.

Por que afastam familiares e amigos?

O afastamento cumpre uma função clara: impedir que a vítima tenha pontos de apoio que possam alertá-la ou ajudá-la a sair do relacionamento. É um método de dominação, que transforma a vítima em um “território exclusivo”. Theodore Millon (1928-2014), psicólogo referência em transtornos de personalidade, descreveu que narcisistas e psicopatas possuem necessidade extrema de manter controle absoluto sobre o outro, e não suportam ameaças à sua autoridade emocional. A presença de familiares ou amigos atentos representa esse risco.

O sujeito, por exemplo, começa a criticar a roupa da mulher para que ela não se pareça atraente. Ele pode levantar suspeitas sobre sua orientação sexual, afirmando que a mulher mantém relacionamentos amorosos com outras mulheres. Tudo isso para tentar impedi-la de aprofundar amizades, e, portanto, de receber alertas sobre o relacionamento tóxico e a violência psicológica, que vem sofrendo.

Além disso, o isolamento facilita o processo de desvalorização, etapa seguinte do ciclo abusivo: após idealizar a vítima, o agressor passa a diminuí-la, humilhá-la e culpabilizá-la. Isolada, ela não encontra resistência externa a esse processo.

Estratégia aprendida ou manifestação do distúrbio?

Parte dessas estratégias são aprendidas ao longo da vida, como formas eficazes de manipular e controlar. Narcisistas e psicopatas possuem percepção aguçada das vulnerabilidades humanas e sabem explorá-las friamente. Desenvolvem habilidades de dissimulação e manipulação conforme percebem que esses comportamentos geram resultados, especialmente em relações afetivas.

No entanto, esses comportamentos não são apenas fruto de aprendizado, mas expressão direta de um funcionamento mental patológico. Segundo o DSM-5 (2013), os transtornos de personalidade narcisista e antissocial são marcados por padrões estáveis e inflexíveis de egocentrismo, falta de empatia e necessidade de controle. Assim, as estratégias utilizadas são, ao mesmo tempo, manifestações naturais do distúrbio e práticas reforçadas pela experiência de vida.

Perfil das vítimas: quem são?

Embora qualquer pessoa possa ser vítima dessas relações abusivas, há perfis mais vulneráveis, conforme apontam estudos em psicologia das relações abusivas:

• Mulheres com baixa autoestima: tendem a acreditar que merecem pouco e se sentem gratas pelo interesse recebido.
• Histórico de abuso ou negligência: quem cresceu em ambientes abusivos pode normalizar comportamentos de dominação e controle.
• Busca intensa por afeto e pertencimento: mulheres que idealizam relacionamentos ou temem a solidão podem ser presas fáceis.
• Altamente empáticas e cuidadoras: narcisistas e psicopatas costumam atrair pessoas dispostas a compreender e acolher, explorando essa generosidade.
• Dificuldade de estabelecer limites: a ausência de clareza sobre o que é aceitável permite a escalada do abuso.

Importante: a vítima não é culpada. A responsabilidade é sempre de quem manipula, abusa e isola.

Checklist de sinais de alerta

• Demonstrações rápidas e intensas de afeto no início
• Tentativas de afastar amigos e familiares
• Manipulação emocional e culpas infundadas
• Comentários que desvalorizam ou invalidam os sentimentos da vítima
• Mudança súbita do encantamento para o desprezo
• Dificuldade de assumir responsabilidade pelos próprios erros
• Comportamentos controladores e ciúmes excessivos
• Pedidos de empréstimo de dinheiro acompanhados de histórias emotivas

Se você ou alguém que conhece apresenta vários desses sinais, é essencial buscar apoio especializado.

Orientações práticas para quem quer sair desse ciclo

1. Reconheça: admitir que está em uma relação abusiva é o primeiro passo; e o mais difícil.
2. Não se isole: conte para amigos e parentes como é seu relacionamento.
3. Procure ajuda: psicólogos, grupos de apoio e advogados podem orientar com segurança.
4. Restaure conexões: reaproxime-se de familiares e amigos, mesmo que sinta culpa ou vergonha.
5. Prepare-se para resistência: narcisistas e psicopatas costumam intensificar a manipulação quando percebem que perdem o controle.
6. Priorize sua segurança: planeje saídas estratégicas e seguras, especialmente em casos com risco físico.
7. Fortaleça sua autoestima: a psicoterapia é fundamental para reconstruir a autoconfiança e romper ciclos repetitivos.

O amor machuca?

Narcisistas e psicopatas não amam: eles precisam. Precisam de controle, de adoração, de domínio. Suas estratégias são frias, calculadas, e se alimentam da dor e do isolamento da vítima. Entender essas dinâmicas é o primeiro passo para romper com o ciclo e reconstruir uma vida livre, autônoma e segura.

Você pode não saber que está dentro dessa armadilha nefasta, preparada por alguém que sabe o que faz. Se você sente culpa pelo que fez, e pelo que não fez; sente que não tem mais liberdade para se vestir como quiser, ou encontrar com amigos e parentes; sente medo; só se sente feliz quando o companheiro está bem e aprova o que você faz; ou então tem certeza de que as pessoas não conhecem quem está com você, e que só você o entende: você precisa de ajuda! Acredite!

*Sergio Manzione é psicólogo clínico, administrador, podcaster, colunista sobre comportamento humano e psicologia no Portal Muita Informação!, e escreveu o livro “Viva Sem Ansiedade – oito caminhos para uma vida feliz”. @psicomanzione