A importância do autocuidado: você não pode ajudar ninguém se estiver esgotado

Dizer ‘não’ protege sua saúde emocional. Só quem se respeita pode realmente cuidar e apoiar os outros


Sergio Manzione
Sergio Manzione 31/05/2025 13:30 • Artigos
A importância do autocuidado: você não pode ajudar ninguém se estiver esgotado - Imagem gerada por IA

Vivemos em uma sociedade que exalta o altruísmo, o serviço ao próximo, a entrega incondicional. “Ajudar os outros” virou sinônimo de virtude máxima, mas raramente se fala sobre o preço silencioso que esse impulso pode cobrar: o esgotamento emocional, a perda da identidade e o adoecimento. O autocuidado não é um luxo, nem um ato egoísta: é um dever ético consigo mesmo e com os outros. Só quem está bem, física e emocionalmente, pode oferecer ajuda de qualidade e sustentável.

O paradoxo de quem ajuda: quando o cuidar vira adoecer

Profissionais como médicos, enfermeiros, psicólogos, bombeiros, policiais, professores, bancários e assistentes sociais, entre outros, são reconhecidos pela dedicação e pelo esforço pelos outros. No entanto, esse reconhecimento raramente evita seu adoecimento silencioso:

• Enfermeiros, por exemplo, enfrentam jornadas extenuantes, ambientes emocionalmente carregados e decisões críticas que podem custar vidas. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 40% dos profissionais de enfermagem relatam sintomas de estresse crônico e esgotamento.
• Bancários, expostos à pressão de metas abusivas e ao contato constante com clientes em crise financeira, apresentam altos índices de transtornos de ansiedade e depressão. Segundo estudo da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT, 2022), 62% dos bancários relatam sofrer de estresse relacionado ao trabalho.
• Professores vivem o paradoxo de educar e inspirar, enquanto lidam com a desvalorização, o excesso de alunos e a falta de recursos e de segurança pública, o que contribui para o aumento da Síndrome de Burnout na categoria. Estima-se que mais de 30% dos professores brasileiros apresentem sinais de exaustão emocional.

O desgaste emocional não se restringe a quem exerce funções profissionais. Muitas pessoas, no ambiente familiar ou social, acabam se colocando no papel de “salvadores”, cuidando de filhos, pais adoecidos, amigos em sofrimento, sem nunca olhar para si mesmos, e a conta emocional também chega.

Primeiro você, depois o outro

Quem já viajou de avião conhece a regra: “Coloque sua máscara de oxigênio antes de ajudar outros.” Parece egoísmo, mas é sobrevivência; é uma lógica inquestionável: se você desmaiar, não poderá ajudar ninguém.

Na vida emocional, a lógica é a mesma. Sem autocuidado, você se torna incapaz de oferecer suporte verdadeiro. Quantos colapsam tentando ser “o profissional perfeito” ou “o familiar infalível”?

A lição bíblica e a metáfora da trave

Em Mateus 7:3-5, Jesus questiona: “Por que você vê o cisco no olho do irmão, mas não a trave no seu?” Essa é uma poderosa metáfora sobre o autocuidado e a autorreflexão, e a mensagem é clara: autocuidado precede cuidado alheio. Antes de tentar corrigir ou ajudar o outro, é preciso olhar para si mesmo, perceber as próprias limitações, dores e necessidades. Não é negligência, mas é entender que não se pode dar o que não se tem.

A difícil arte de dizer “não”

Muitos que se dedicam a ajudar os outros — seja profissionalmente, seja na vida pessoal — sentem culpa ao estabelecer limites. Dizem “sim” sempre, mesmo quando estão esgotados, mas dizer “não” é um ato de coragem e de amor próprio. O “não” protege sua saúde emocional, preserva suas energias e garante que você estará presente quando realmente for necessário. Além do que, você só faz a sua própria história quando diz “não”.

Exemplo clássico: a mãe que nunca recusa nada para os filhos, mesmo quando exausta, corre o risco de se tornar impaciente, ressentida ou adoecida, tornando-se, paradoxalmente, menos disponível e menos amorosa. O mesmo vale para quem cuida de um parente enfermo ou de amigos em crise: ajudar sem limites leva à exaustão. Quando você diz “não” para alguém, diz “sim” para você!

O reflexo na vida pessoal

Quando não cuidamos de nós mesmos, pagamos o preço com a nossa saúde mental, física e emocional. A sobrecarga se transforma em irritabilidade, insônia, ansiedade, depressão e até em doenças psicossomáticas, que são aquelas gestadas emocionalmente, mas que estouram no corpo. Além disso, o excesso de dedicação aos outros, sem espaço para si, pode destruir relações afetivas importantes. Quem está sempre “para fora”, muitas vezes se desconecta das próprias necessidades, desejos e projetos de vida, vivendo apenas em função do outro.

O preço da negligência consigo mesmo cobra um preço alto:

• Relacionamentos afetivos deteriorados: impaciência, irritabilidade e ausência de presença emocional.
Isolamento: falta de energia para encontros e lazer.
Doenças físicas: hipertensão, obesidade, insônia, distúrbios alimentares.
Sentido da vida: sensação de vazio e inutilidade, mesmo realizando tarefas importantes.

Quem cuida de quem cuida?

Essa pergunta é essencial. Quem protege, ensina, salva ou serve muitas vezes não é protegido nem acolhido. Vivemos uma cultura que valoriza o “não parar nunca”, mas essa cultura adoece e mata. Como nos lembra Michel Foucault: “O cuidado de si é uma prática ética fundamental, não um ato de egoísmo.”

5 passos para um autocuidado real

Cuidar de si é, portanto, um ato de responsabilidade profissional e moral. Pratique o autocuidado de forma responsável:

  1. Reconheça seus limites: você não é onipotente. Aceite que não conseguirá resolver tudo, e nem para todos.
  2. Reserve tempo para si: mesmo em rotinas exaustivas, pequenas pausas, lazer e descanso são essenciais.
  3. Diga “não” quando necessário: estabelecer limites claros é uma forma de respeito próprio e de evitar abusos.
  4. Peça ajuda: quem cuida também merece ser cuidado. Procure apoio psicológico, médico ou social quando necessário. Ter coragem é procurar ajuda.
  5. Reflita sobre suas motivações: você ajuda por amor, obrigação ou medo de ser rejeitado? Esse autoconhecimento é fundamental.

Todos somos cuidadores em algum momento

A qualquer tempo poderemos ser chamados a cuidar de um filho, de um amigo em depressão, de um familiar doente, de um colega sobrecarregado. Nesses momentos, é essencial lembrar que cuidar de si mesmo não é uma escolha egoísta, mas uma responsabilidade ética e amorosa.

Cuidar de si mesmo é condição para cuidar dos outros com qualidade e humanidade. Como disse Clarissa Pinkola Estés, psicanalista e escritora: “Não se pode regar as flores dos outros com um regador vazio”.

Psicólogo Sergio Manzione | Foto: Divulgação

Sergio Manzione é psicólogo clínico, administrador, podcaster, colunista sobre comportamento humano e psicologia no Portal Muita Informação!, e escreveu o livro “Viva Sem Ansiedade – oito caminhos para uma vida feliz”. @psicomanzione

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