A alma sofre e o corpo grita: doenças psicossomáticas

Quando a mente reprime, o corpo sofre as dolorosas consequências


Sergio Manzione
Sergio Manzione 01/11/2025 08:40 • Artigos e afins
A alma sofre e o corpo grita: doenças psicossomáticas - Imagem gerada por IA
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A palavra “psicossomático” é uma junção de duas palavras gregas: “psique”, que significa alma ou mente, e “soma”, que significa corpo. Assim, “psicossomático” descreve algo que é causado pela influência da parte psíquica na parte física do organismo.

As doenças psicossomáticas não são mistérios biológicos, mas mensagens cifradas. São o modo como o corpo traduz o que a alma não soube dizer. O coração dispara, o estômago se contorce, a pele inflama, e nada disso é acaso. O corpo é o espelho da consciência, o mensageiro que fala quando a mente silencia.

Desde a Antiguidade, pensadores já intuíram essa ligação. Hipócrates, o pai da medicina, dizia que “é mais importante saber que tipo de pessoa tem uma doença do que saber que tipo de doença a pessoa tem”. Sigmund Freud, no início do século XX, observou que sintomas físicos podiam nascer de conflitos psíquicos reprimidos. Seu discípulo, Carl Gustav Jung, ampliou o olhar: para ele, a doença era o esforço desesperado da psique em restaurar o equilíbrio perdido. Quando a alma se desvia de si, o corpo a chama de volta por meio da dor.

O corpo como espelho da psique

Toda dor carrega um significado simbólico. O pescoço rígido pode expressar a inflexibilidade de quem não se curva diante da vida. As costas pesadas revelam o fardo das responsabilidades não compartilhadas. O estômago ulcerado denuncia as emoções mal digeridas. A pele inflamada fala da irritação contida. Há pessoas que “engolem sapos” por anos até que o corpo, cansado de submissão, se revolta.

O filósofo Arthur Schopenhauer dizia que o corpo é a “vontade tornada visível”. Ele é a encarnação do que sentimos, do que desejamos e do que negamos. A raiva reprimida vira gastrite, a culpa se transforma em insônia, a tristeza crônica enfraquece o sistema imunológico. O corpo nunca mente: ele apenas obedece à verdade que a consciência disfarça.

A mente que adoece o corpo

A ciência moderna confirma o que a filosofia intuía há séculos. Pesquisas da “Harvard Medical School” (2019) e da Universidade de Stanford (2021) mostram que o estresse prolongado altera profundamente o sistema imunológico. Sob tensão constante, o organismo libera hormônios como o cortisol e a adrenalina, que, em excesso, inflamam células, corroem vasos sanguíneos e abrem caminho para doenças autoimunes, hipertensão e até câncer.

A Organização Mundial da Saúde (OMS, 2023) reconhece que mais de 70% das doenças têm origem emocional ou são agravadas por fatores psicológicos. A lista é extensa: gastrite, úlcera, colite, Síndrome do Intestino Irritável (SII), hipertensão arterial, asma, enxaqueca, diabetes tipo 2, fibromialgia, psoríase, dermatite, vitiligo, doenças autoimunes, e muitas outras. Cada uma delas pode representar um diálogo interrompido entre corpo e alma.

O psiquiatra Viktor Frankl, fundador da logoterapia, afirmou que “quem tem um porquê enfrenta quase qualquer como”. O corpo adoece quando perde o sentido de existir. A falta de propósito é um veneno lento, não mata de imediato, mas corrói o ânimo, apaga o brilho dos olhos e transforma a vida em sobrevivência.

Não se pode dizer que o câncer seja causado por emoções, mas há consenso de que o sofrimento psíquico prolongado, e a perda de sentido de vida, reduzem a imunidade e aumentam a vulnerabilidade. A psicologia psicossomática entende o câncer como a ponta visível de uma exaustão vital: o corpo desiste de lutar quando a alma já não vê propósito.

As práticas mais comuns

A medicina se tornou, muitas vezes, cúmplice dessa lógica, pois medicaliza a dor, neutraliza o sintoma e ignora a causa. Trabalhar na área de saúde deveria exigir altos graus de conhecimento e curiosidade: por que tal sintoma surgiu? Por que um resultado de exame está fora do padrão? O mais fácil é corrigir o resultado com medicação. Em alguns casos é como ficar secando o chão do banheiro sem desligar a água, que continua molhando tudo.

O preço é alto. Pessoas ansiosas, deprimidas, somatizadas, com dores que nenhum exame explica. O remédio alivia, o sintoma volta. O corpo insiste porque o conflito continua. Quando não se resolve a emoção, o corpo a repete. Quando não se elabora o trauma, o corpo o encena.

O símbolo escondido no sintoma

A filosofia fenomenológica de Maurice Merleau-Ponty ajuda a compreender esse diálogo. O corpo, para ele, é o próprio modo de existir no mundo. Sentir dor não é apenas um evento biológico, é uma forma de estar presente. A dor é o modo como o ser se lembra de que existe.

A médica e pesquisadora Louise Hay, com sua visão metafísica, afirmava que “a doença é uma mensagem, e a cura começa quando a escutamos”. Embora seu discurso tenha uma base espiritual, o núcleo é psicológico: todo sintoma pede atenção. Ignorá-lo é um tipo de cegueira emocional. A cura exige coragem para olhar de frente o que dói. Negar alguma coisa não a faz deixar de existir.

O caminho da escuta

Curar-se de uma doença psicossomática é reencontrar o diálogo entre corpo e alma. É parar de remendar o efeito e olhar para a causa. O corpo não quer ser silenciado; quer ser compreendido.

A psicoterapia, especialmente nas abordagens humanista e existencial, oferece esse espaço. Um lugar onde a dor ganha voz e o sintoma, significado. Quando a emoção é nomeada, o corpo relaxa. Quando a verdade é dita, o sintoma se dissolve. A cura começa quando há escuta, não do médico ou do psicólogo apenas, mas de si mesmo.

Enfim…

Toda dor é uma palavra que o corpo tenta pronunciar. Ignorar o sintoma é como desligar o alarme enquanto a casa pega fogo.

A pergunta correta não é “o que eu tenho?”, e sim “o que dentro de mim está pedindo para ser visto?”. As doenças psicossomáticas não são o fim, são o início de uma conversa que pode salvar uma vida. Quando a alma é ouvida, o corpo se cala.

Deixo um alerta necessário: se sentir dores, desconfortos ou qualquer mal-estar, procure atendimento médico. Antes de pensar em causas emocionais, é essencial descartar as físicas. Não minimize o que sente achando que é “só um nervoso” ou algo passageiro. Dor é sempre um sinal de que algo precisa ser olhado. Cuide do corpo, da mente e da alma com a mesma atenção, e procure ajuda profissional sempre que precisar.

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Sergio Manzione, psicólogo clínico
Crédito: Divulgação

*Sergio Manzione é psicólogo clínico, administrador, podcaster, colunista sobre comportamento humano e psicologia no Portal Muita Informação!, e escreveu o livro “Viva Sem Ansiedade – Oito caminhos para uma vida feliz”. Siga no Instagram @psicomanzione

**O conteúdo dos artigos é de responsabilidade dos autores, não correspondendo, necessariamente, à opinião do Portal M!

Sérgio Manzione

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