Como ‘memes’ moldam campanhas políticas e promovem desinformação

No último debate do primeiro turno das eleições presidenciais de 2022, em 29 de setembro, a candidata Soraya Thronicke (Pode) protagonizou um momento que ficou marcado e virou meme. Ao confrontar o candidato Padre Kelmon (à época no PTB, atualmente no PL), Soraya declarou: “O senhor é um padre de festa junina”.

Essa frase ultrapassou o âmbito do debate televisivo e rapidamente viralizou na internet, se transformando em um ‘meme’ que segue vivo na memória dos eleitores até hoje.

O fenômeno virtual vai além de entreter. À Agência Brasil, Viktor Chagas, professor do Departamento de Estudos Culturais e Mídia da Universidade Federal Fluminense (UFF), “o meme cumpre essa função de entreter e divertir, mas também têm outros objetivos, especialmente no ambiente político”.

Chagas, que estuda o impacto dos memes nas campanhas políticas, explica que o termo não é uma invenção da era digital. Na verdade, ele foi cunhado pelo biólogo Richard Dawkins em 1976, no livro O Gene Egoísta, para descrever a maneira como informações culturais são transmitidas ao longo do tempo. “O conceito surge na década de 1970, portanto muito antes da popularização da internet”, explica o pesquisador.

Nos anos 1990, a definição de ‘meme’ foi apropriada pelos usuários da internet para descrever conteúdos virais, como imagens, vídeos e piadas que circulam amplamente nas redes sociais. Viktor Chagas diferencia essa evolução: “Podemos falar que há dois memes, um antes da internet e outro depois dela”.

O papel dos ‘memes’ na política

A utilização dos memes no ambiente político começou a ganhar força entre 2008 e 2012, segundo a pesquisadora Débora Salles, do Laboratório de Estudos de Internet e Redes Sociais da UFRJ (NetLab-UFRJ). Ela afirma que a campanha de Barack Obama nos Estados Unidos marcou o início dessa estratégia digital. “Obama foi o grande ponto de virada na campanha política on-line”, observa a pesquisadora.

No Brasil, os ‘memes’ começaram a ganhar destaque nas eleições de 2014, principalmente durante a reeleição de Dilma Rousseff. “As eleições de 2014 foram talvez o primeiro momento em que vimos efetivamente os memes entrarem na cena pública”, afirma Viktor Chagas, lembrando que Dilma e Marina Silva foram alvos de muitos ‘memes’ misóginos naquele ano.

Chagas ressalta que, no cenário político, os ‘memes’ têm sido usados como ferramentas estratégicas. “Eles podem contribuir para a construção de uma determinada leitura sobre um personagem da política, podendo atacar ou difamar”, explica. Além disso, campanhas eleitorais têm apostado na produção de memes ou no incentivo a influenciadores digitais para disseminá-los.

‘Memes’ e desinformação

Embora muitos ‘memes’ tenham caráter humorístico, Débora Salles destaca que grupos extremistas estão cada vez mais utilizando essa ferramenta para promover desinformação e disseminar discursos de ódio. “A questão é que eles têm sido cada vez mais utilizados por grupos extremistas”, afirma a pesquisadora.

A desinformação, segundo Salles, pode ser mais complexa do que a simples divulgação de informações falsas. Ela explica: “Muitas vezes, a desinformação está lidando com informações verdadeiras, mas tiradas de contexto e distorcidas”. Nesse sentido, ‘memes’ podem criar uma “zona cinzenta” entre o humor e o conteúdo problemático, o que torna difícil moderar e combater esse tipo de material nas plataformas digitais.

Salles também aponta que, além do humor ser usado como uma estratégia para driblar a moderação de conteúdo, o problema é agravado pela falta de transparência das plataformas em relação à administração dos memes problemáticos. “O principal desafio para combatê-los é que não sabemos muito bem como isso é administrado pelas plataformas”, alerta a pesquisadora.

Por fim, Salles aconselha que os eleitores mantenham atenção ao consumo de conteúdos humorísticos online, pois o humor pode servir como uma estratégia para veicular mensagens que não seriam facilmente ditas de maneira explícita.

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