Infectologista diz que caso de cólera acende alerta e defende que condição fique "no radar dos médicos"

Ao Portal M!, Maurício Campos falou sobre as formas de transmissão da doença, principais sintomas e como prevenir 

Por Bruno Brito
22/04/2024 às 17h46
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Foto: Centers for Disease Control and Prevention (CDC)
Foto: Centers for Disease Control and Prevention (CDC)

O anúncio de um caso de cólera em Salvador, após 18 anos sem casos notificados no Brasil, acendeu o alerta para a condição. Por conta disso, o Portal M! ouviu o médico infectologista, Maurício de Souza Campos, para falar sobre a transmissão, sintomas da doença e formas de prevenção. Durante a entrevista, o especialista defendeu que a condição deve estar "no radar dos médicos", para que pacientes com história clínica de diarreia intensa e desidratados sejam investigados para cólera.

Segundo o Ministério da Saúde, o diagnóstico local é o primeiro registrado desde 2006. Os últimos casos locais haviam sido identificados entre 2004 e 2005, em Pernambuco. Desde então, somente houve registro de casos importados.

"A confirmação desse caso acende um alerta, mas é importante a gente também registrar que foi um caso incidental. Esse paciente, inclusive, foi diagnosticado, digamos, ao acaso, não havia naquele momento uma suspeita de cólera, até porque tem mais ou menos 19 anos que a gente não registra nenhum caso de cólera na Bahia, no Brasil, de uma forma geral", apontou o médico, que atua no Hospital Santo Antônio, das Obras Sociais Irmã Dulce (Osid) e Hospital Dantas Bião de Alagoinhas, além de atender em consultório particular.

Conforme o especialista, a condição foi atestada através de um exame chamado "coprocultura", que realiza a cultura das fezes. "Esse exame é capaz de isolar algum patógeno que esteja ali nas fezes e que esteja justificando a diarreia. E quando foi feito esse isolamento, se identificou a bactéria que causa o cólera, que é o Vibrio cholerae. E então, o caso foi imediatamente notificado, porque é uma notificação obrigatória. E por conta disso, as autoridades sanitárias também fizeram o que deveria ser feito e o que é preconizado", explicou.

Segundo o médico, após a identificação do caso, o objetivo é contar a doença e evitar a proliferação. Para isso, é realizado um estudo da água da região em que o paciente mora, verificar também a questão da higiene local, além de uma observação das pessoas que tiveram contato próximo com a pessoas diagnosticada, que podem ser moradores do mesmo domicílio, colegas de trabalho. 

"Todas as pessoas que tiveram muito próximo dele com possibilidade de infecção também ficam no radar de observação, para ver se vão manifestar sintomas. Até onde se sabe é um caso isolado, ninguém mais apresentou nem manifestou sintoma, mas isso acende um alerta porque é o primeiro caso em 19 anos. Então, a gente tem realmente que monitorar. É importante, a partir de agora, que isso fique no radar dos médicos. Toda vez que um paciente chegar com essa história clínica de diarreia intensa, desidratado, é importante que a gente tenha em mente que pode ser cólera e solicitar o exame", defendeu. 

Maurício Campos é mestre e Doutor em Processos Interativos de Órgãos e Sistemas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) | Foto: Divulgação

Transmissão e sintomas 

Conforme a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab), o homem de 60 anos diagnosticado com a condição, não tem histórico de deslocamento para países com ocorrência de casos confirmados, nem de contato com outro caso suspeito ou confirmado da doença. Em função disso, surgem dúvidas sobre a transmissão da doença. 

De acordo com o especialista, a bactéria que causa a doença possui uma transmissão predominantemente fecal-oral. "A ingestão de alimentos e água contaminados é a principal forma de contaminação, mas também pode ocorrer contaminação pessoa a pessoa. É por isso que a gente tem o máximo de cuidado e vigilância quando acontece um caso, porque é uma doença que facilmente se alastra, podendo ser transformada rapidamente em um surto e até mesmo numa epidemia. Então, é uma doença que tem essa via de transmissão que facilita o contato de pessoa a pessoa", detalhou. 

Ainda conforme a Sesab, todas as medidas necessárias para prevenção e controle, como análise da água, foram prontamente implementadas. Segundo a pasta, a situação está sendo "monitorada".

Entre os principais sintomas da cólera, o especialista a descreveu como uma das doenças diarreicas, visto que seu principal sintoma é a diarreira. No entanto, diferente dos casos em que o paciente tem uma infecção intestinal e evolui, a cólera apresenta uma diarreira intensa e volumosa. 

"Essa diarreia faz com que o paciente desidrate muito rapidamente. A desidratação é rápida, e é isso que pode agravar o caso, levando o paciente inclusive a óbito. Associado a essa diarreia, o paciente tem sintomas gástricos como náusea e vômito. E por conta dessa diarreia intensa e rápida, ele perde o que a gente chama de eletrólitos, principalmente sódio, potássio e cálcio. E aí, pode provocar alguns sintomas secundários a essa perda, como câimbra generalizada no corpo. A gente não costuma ver febre e obviamente, como o paciente está com uma diarreia intensa, ele também vai apresentar prostração, e letargia", detalhou. 

Ainda segundo o especialista, é em função do processo de desidratação e perda de eletrólitos que existe o risco de óbito. Por conta disso, ele defende que pacientes que apresentam diarreia por cerca de uma semana, e que não possui causa aparente, devem buscar um médico. 

"O potássio, por exemplo, tem uma relação direta com a questão do batimento cardíaco, então quando você desidrata de forma muito rápida e de forma grave, você acaba comprometendo alguns órgãos do corpo, principalmente coração e rim. Então é uma doença que merece uma atenção muito cuidadosa e preferencialmente o paciente faz todo o tratamento internado", observou. 

Prevenção

Por fim, o infectologista falou sobre as formas de prevenção para a doença. De acordo com o Ministério da Saúde, existem vacinas para a cólera, mas elas são destinadas a populações de áreas com cólera endêmica e em situação de crise humanitária com alto risco de ou durante surtos da doença. Em função deste cenário, as doses não fazem parte do programa de imunizações do Brasil.

De acordo com o especialista, por não contarmos com a vacina, a melhor estratégia está ligada à higiene dos alimentos que serão ingeridos.

"A gente recomenda que a população continue com o hábito de lavar as mãos antes de levar a mão à boca, ao nariz, aos olhos. Lavar a mão antes de toda e qualquer refeição. Toda vez que for ao banheiro, seja ele público, até mesmo dentro de casa, é importante lavar as mãos antes de pegar em outros objetos. Ou seja, a prevenção, ela está muito mais relacionada ao autocuidado, a questão de higiene pessoal, porque é essa a forma que a gente tem de combater. Lembrando que, da mesma forma que outros patógenos, a água e sabão são fundamental e é o que vai fazer com que você, mesmo entrando em contato com a bactéria, você não a leve para dentro do seu corpo", afirmou.

Na última sexta-feira (19), a Organização Mundial da Saúde (OMS) aprovou uma versão simplificada de uma vacina oral contra a cólera, para aumentar a produção e enfrentar o aumento do número de casos. A vacina Euvichol-S é uma fórmula simplificada da Euvichol-Plus, com menos compostos, o que deve permitir produzir mais rapidamente volumes importantes, informou a OMS. O composto é produzido pelo grupo sul-coreano EuBiologics e tem eficácia semelhante a das formulações mais complexas.

 

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