ARTIGO: A gente nunca sabe como toca o outro

Por Sergio Manzione*
18/06/2020 às 08h00
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Foto: Divulgação
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As relações interpessoais são fundamentais para a vida em sociedade, pois ninguém é uma ilha. Estamos sempre interagindo com nossos semelhantes, seja de forma presencial, virtual ou, ainda, com suas ideias. Além disso, convivemos com as pessoas do presente e as do passado com todas as boas e más recordações inerentes. Nessas interações a comunicação tem papel central, porque permite transmitir nosso pensamento para os demais e vice-versa. Quando queremos que outro saiba o que estamos pensando e sentindo, codificamos essa ideia em palavras, que serão decodificadas pelo outro, que formará uma ideia em seu pensamento. É preciso checar (feedback) se a ideia que queremos transmitir foi a mesma que o interlocutor entendeu. Esse ponto é muito importante porque, muitas vezes, problemas nos relacionamentos são gerados pela péssima qualidade da comunicação. Há casos em que as pessoas estão discutindo, mas defendendo a mesma ideia sem se darem conta. É inegável, portanto, a importância da palavra em todos os tipos de relacionamentos, já que é ela que estrutura o pensamento e faz a mediação entre as pessoas.

O psicólogo bielorrusso Lev Vygotsky (1896-1934) propôs que o desenvolvimento do ser humano se dá através da interação sociocultural com o meio em que vive, sendo que essa interação é dialética, pois o indivíduo absorve a cultura, mas também a modifica.  Vygotsky afirmou que "a linguagem age decisivamente na estrutura do pensamento e é ferramenta básica para a construção de conhecimentos", donde se conclui que não é possível desenvolver o conhecimento sem um repertório minimamente adequado sobre determinado assunto, o que repele os "achismos".  No entanto, temos a tendência a "achar" alguma coisa sobre o outro, julgando-o de acordo com nosso ponto de vista: medimos o outro com a nossa régua sem levar em conta em qual contexto a pessoa vive e quais as razões que levam as pessoas a agir de uma forma ou de outra. A empatia é a capacidade de se colocar no lugar do outro e entender seu estado emocional, portanto "achismos" provavelmente não levarão às interpretações corretas das realidades alheias. Quando essa avaliação é distorcida pode ocasionar sofrimento tanto em nós, quanto nos outros. De outro lado, com a interpretação correta, podemos trazer alegria e leveza na vida de todos. 

Muitas são as palavras ditas para ferir e subjugar os demais e muitos são os silêncios mal interpretados, ambos resultados de ruídos de uma comunicação contaminada pelo julgamento enviesado do contexto. Muitos lançam mão da desqualificação do outro para poderem se sentir melhores e mais poderosos, numa tentativa fugaz de diminuir a própria imaturidade e insegurança. Talvez por isso seja tão difícil fazer com que as pessoas se entendam e respeitem a opinião alheia, mesmo que diametralmente opostas. Para isso, é preciso reduzir o "achismo" e aumentar a empatia correta, que depende de uma interpretação adequada do outro, que vem através de pensamentos maduros, estes dependentes de mais repertório qualificado e, em última instância, de educação formal e doméstica, quando, então, será possível desenvolver a sociedade positivamente, através do processo dialético pontuado por Vygotsky.

Ao longo dos anos muitas pessoas entram e saem de nossas vidas e nem sempre sabemos o impacto que nos causam e que causamos nelas.  Dizemos coisas que podem mudar a vida das pessoas e, por isso, é preciso tomar cuidado com o que é dito.  Não é incomum alguém dizer que "você me disse uma coisa muito marcante anos atrás e mudou toda minha vida".  Assim é a influência dos pais, parentes, amigos, professores, celebridades, pessoas desconhecidas e seus exemplos e palavras na vida das pessoas.  Pense em quanta gente lhe influenciou e como isso foi importante para o rumo que sua vida teve e tem hoje.  Essa influência pode ser positiva ou não, mas lhe modifica e cabe a você prestar atenção no outro e no que você fala e faz, pois pode modificar de forma significativa como será o seu mundo e o dos outros.  A palavra-chave é o amor!  O ódio e a divisão só trazem consequências ruins: é preciso união, deixar o orgulho e a vaidade de lado e tocar as pessoas em seus corações iluminando a todos, mesmo sem saber quem são. Seja lembrado pela sua influência positiva nos outros e em você.

Tem gente que chega pra ficar
Tem gente que vai pra nunca mais
Tem gente que vem e quer voltar
Tem gente que vai e quer ficar
Tem gente que veio só olhar
Tem gente a sorrir e a chorar
E assim chegar e partir
São só dois lados da mesma viagem

(Encontros e despedidas - Milton Nascimento e Fernando Brandt)

* Sergio Manzione é psicólogo clínico, administrador, mestre em engenharia da energia e colunista sobre comportamento humano e psicologia no Portal Muita Informação! @psicomanzione

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